Diplomacia e Relações Internacionais
Economia brasileira: catastrofe pior que a encomenda - Nilson Teixeira
Recuo de dois anos do PIB não está de todo descartado, diz TeixeiraPor Flavia Lima e Catherine Vieira | De São Paulo
Valor Econômico, 1/06/2015
Teixeira, do CS: "Tudo indica que oito trimestres de queda nos investimentos estão dados. E dez é um cenário razoável"
O grau de incerteza da economia e o desempenho do mercado de trabalho devem contribuir para que o Produto Interno Bruto (PIB) recue com mais força, em queda de ao menos 1,8% neste ano segundo contas revisadas por Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse. Para 2016, a previsão ainda é de expansão, de 0,6%, mas uma recessão não está descartada. Na sexta-feira, o IBGE divulgou que o PIB do primeiro trimestre caiu 0,2%.
Assim como boa parte do mercado, Teixeira reconhece que desemprego contribui de modo importante para que a inflação arrefeça, mas alerta que a persistência inflacionária pode eliminar as chances de uma convergência à meta em dezembro de 2016, como delineado pelo Banco Central. Não por acaso, a previsão do Credit Suisse para o IPCA do ano que vem é de alta de 6,5%, enquanto a mediana do mercado se situa em um ponto percentual abaixo disso.
Assumindo um câmbio ao redor de R$ 3,10, convergir à meta exigiria uma taxa Selic entre 15% e 17% - ou uma taxa de desemprego próxima de 10%, quase quatro pontos acima da atual. "O desejo é aumentar os juros, mas não se quer todas as consequências de se fazer isso e que contribuirão mais à frente para a inflação cair?". Igualmente relevante, diz ele, o resultado fiscal deve atingir apenas um terço do previsto.
Para Teixeira, é preciso um plano de ação que olhe a rigidez dos gastos públicos e, nessa equação, enxerga avanços em um lugar insuspeito: o Congresso Nacional. "Vejo uma paixão nessa questão do fator previdenciário, mas, me parece, ao nos afastarmos um pouco da questão, que, talvez, isso tenha sido favorável", diz em referência à possibilidade de substituição da regra atual de aposentadoria. Para ele, o Executivo precisa convencer o Legislativo da relevância da discussão do pacto federativo. E encerra a entrevista com a seguinte frase: "Estamos otimistas". A seguir, trechos da entrevista.
Valor: Sua previsão para o PIB de 2015 continua em -1,3%?
Nilson Teixeira: Tínhamos revisado nossas projeções no início do ano, mas, de lá para cá, temos visto deterioração. De tal maneira que o número que veio no primeiro trimestre foi quase idêntico ao nosso, mas revisaremos para uma contração maior da atividade neste ano, de 1,8%. Em relação a nossa leitura do início do ano, aumentou a probabilidade do segundo trimestre ser pior do que o primeiro em praticamente todos os componentes da oferta e da demanda. E o que era positivo, vai ficar menos. Consequentemente, até por conta da nova metodologia de ajuste sazonal do IBGE, a contração do PIB no segundo trimestre será maior do que no primeiro, de 1,9%. Mais do que isso: subiu a probabilidade de o terceiro trimestre também mostrar uma contração. Embora nossa projeção ainda seja de expansão de 0,5%. Então, a certeza que temos é que o primeiro semestre tende a ser pior do que o segundo.
Valor: Ou seja, chegaremos ao fundo do poço agora em junho?
Texeira: Esse é o ponto: pode ser que o segundo semestre não seja tão menos pior. O ponto é que no terceiro trimestre, embora tenhamos leitura de expansão frente ao trimestre anterior, pode haver uma contração. No início do ano, falávamos que qualquer número entre - 1% ou -2% parecia razoável para o ano. Hoje, dizemos que uma contração entre 1,5% e 2% parece razoável. Mais importante, atribuímos probabilidade bem maior hoje de que a contração em 2015 fique acima de 2%. A chance disso não fica abaixo de 20%.
Valor: E para o ano que vem, vocês também vão revisar?
Teixeira: Sim. Tínhamos alta de 0,8% e agora vamos revisar para 0,6%. Mais importante do que isso é que, dadas às incertezas, não se pode mais descartar a possibilidade de 2016 também ser um ano de recessão. E a probabilidade de ser abaixo de 0,6% é maior do que ser acima disso.
Valor: E o que levou a piora de um quadro que já era ruim?
Teixeira: Vários fatores. O grau de incerteza da economia aumentou. O desempenho do mercado de trabalho tende a ser até pior do que imaginávamos. Hoje estamos com taxa de desemprego média de 6,2% em 2015, o que significa uma taxa de desemprego de 7% no fim do ano, e de 6,6% em 2016. O fato, no entanto, é que a capacidade de um economista ter certeza sobre o desempenho do mercado de trabalho é muito baixa porque a série estatística, além de curta, foi caracterizada por um declínio quase contínuo da taxa. E com a grande incerteza que ocorreu em 2014, período em que a força de trabalho se contraiu. O que não é algo normal. Em 2015, a expectativa é que haja uma expansão da força do trabalho, o que vai ser importante para entender o que acontecerá com a taxa de desemprego.
Valor: A indústria veio um pouco melhor do que se esperava, não?
Teixeira: Prevíamos contração maior do que aconteceu. Mas quando se vê a composição, a grande diferença está na construção civil, em que esperávamos um desempenho bem pior. E aí são as 'proxys' usadas pelo IBGE e que de alguma forma não fomos capazes de estimar de forma apropriada. Mas a metodologia de cálculo acerta bem a tendência. Então, é natural esperar que o segundo trimestre tenha desempenho pior do que o primeiro na construção civil.
"Dadas as incertezas, não se pode mais descartar a possibilidade de 2016 também ser um ano de recessão"
Valor: A sequência de queda da formação bruta [medida do que se investe em máquinas e equipamentos e na construção civil] é muito grande. Há luz no fim do túnel?
Teixeira: É de se esperar que os efeitos mais desfavoráveis estejam concentrados no primeiro trimestre. Não vai continuar contraindo no mesmo ritmo, embora não se saiba até quando isso vai, pois se observa que a parte de bens de capital é um dos setores em que tem maior nível de estoques hoje. Ou seja, todo esse ajuste que a gente está vendo na parte da oferta, na parte de produção industrial de bens de capital, não está sendo ajustado pela demanda. Está se mantendo um nível de estoques muito alto na parte de bens de capital e investimento nada mais é do que bens de capital e construção civil. Enquanto a gente não começar a ver um processo de redução do nível de estoques é difícil esperar uma retomada muito expressiva. A confiança está atingindo níveis não vistos antes e não há sinalização de que ela recupere. Isso é que leva à argumentação de que em 2016 podemos ter uma recessão e aí investimentos poderia ter papel relevante. Tudo indica que, na comparação com o trimestre anterior, oito trimestres de queda nos investimentos estão dados. E dez é um cenário bastante razoável. E quatorze não podem ser descartadas.
Valor: Qual a projeção para a formação bruta neste ano?
Teixeira: É de queda de 7,3%. E ano que vem temos alta de 0,8%.
Valor: Vocês colocam nessa conta a operação Lava-Jato?
Teixeira: Não tem nenhum instrumento para estimar isso. O que podemos dizer é que todas essas investigações trazem mais incerteza para economia e aí o mais provável é que a confiança continue onde está ou até piore. E, em consequência, menos provável é uma retomada. Parece que uma coisa se pode dizer com um grau de certeza razoável: uma retomada substancial é muito improvável.
Valor: A demanda doméstica caiu mais que o esperado, isso terá impacto na politica monetária?
Teixeira: Temos argumentado desde o ano passado que para trazer a inflação para 4,5% no fim de 2016, assumindo a nossa trajetória de taxa de câmbio, de R$ 3,40 no fim de 2015 e de R$ 3,60 no fim de 2016, seria necessário um aperto monetário bem mais relevante do que a nossa projeção, que há algum tempo é de 13,75% [para a Selic] em 2015. Isso porque, em parte, temos leitura diferente em relação à da autoridade monetária. Reconhecemos que o aumento da taxa de desemprego contribui de maneira importante para que a inflação diminua. Por outro lado, os outros determinantes que julgamos mais relevantes fazem o trabalho no sentido oposto, que é a persistência inflacionária. A inflação continua alta, é crescente e, ao se comparar com as expectativas do mercado no início do ano, ela é bem superior. Mais importante do que isso, nossos modelos mostram que com essa dinâmica de inflação - crescente e persistente - o repasse da taxa de câmbio para a inflação não diminui, apesar do aumento do desemprego. Em resumo, seria necessário um aperto monetário maior. Até porque outro fator relevante é a política fiscal e a nossa leitura é que o resultado fiscal será melhor, mas bem aquém do 1,1% do PIB. Hoje o mercado já reconhece a dificuldade de se obter esse resultado, seja porque as despesas são menos elásticas, seja porque a arrecadação é bem pior. É razoável esperar que as expectativas de mercado comecem a diminuir daquele intervalo que ouço muito, de 0,8% a 1,1% do PIB, mais na direção do nosso número, um superávit de 0,4% do PIB.
Valor: A política monetária está afetando mais a atividade do que controlando a inflação?
Teixeira: O canal de demanda funciona dessa forma. A política monetária afeta a atividade econômica e o mercado de trabalho e esses dois fatores, dentre outros, afetam a inflação. Outro processo é que a política monetária também contribui para fazer com que as expectativas também diminuam e, consequentemente, funcionem como uma âncora para a inflação. Mas o fato é que a inflação no Brasil, ao se olhar desde 2010, tem subido. E possivelmente continuará subindo até o fim do ano. Isso faz com que a capacidade da meta de ancorar a inflação corrente seja muito mais tênue. E quando se perde a âncora o que aprendemos é que os agentes econômicos olham para a inflação passada, que passa a ser mais relevante.
Valor: O juro deveria ir para quanto para trazer a inflação para 4,5% no fim do ano que vem?
Teixeira: À luz dos nossos modelos e assumindo um câmbio estável em torno de R$ 3,10 nos parece que a taxa de juros teria que subir para 15%, 16%, 17% para ter uma certeza maior sobre essa convergência da inflação já em 2016. Com o nosso câmbio (em R$ 3,40 no fim deste ano e R$ 3,60 no fim do ano que vem), uma alta dos juros ainda maior.
Valor: Qual a projeção da inflação de vocês para o próximo ano?
Teixeira: É de 6,5%, um diferencial importante com relação às expectativas de mercado, que estão ao redor de 5,5%. Razão pela qual julgamos que seria necessário um aperto monetário mais significativo. Nossa projeção para a taxa de desemprego é de 6,2%, mas os nossos modelos, que não são robustos é importante frisar, dizem que a taxa de desemprego teria que caminhar quase para 9%, 10% para haver um declínio mais relevante da inflação para chegar aos 4,5%.
Valor: O quanto desse quadro negativo é questão de percepção?
Teixeira: É tudo uma questão de percepção. O crescimento potencial, por exemplo. Os mesmos modelos que são utilizados hoje diziam em 2007, 2008, 2009 que o país era capaz de crescer de forma sustentada 4%, os mais pessimistas, 3,5%, e gente muito otimista falava em 5%. Os mesmos modelos dizem hoje que o crescimento potencial é ali entre 2% e 2,4%. Esses mesmos modelos rodados no fim de 2015 provavelmente sinalizarão que o crescimento potencial da economia é menor do que 2%.
Valor: O que fazer?
Teixeira: Em várias instâncias no Brasil se pergunta, e agora? No Congresso, por exemplo. As medidas de ajuste fiscal e questão da desoneração da folha. Com mais ou menos flexibilidade, serão aprovadas. E depois? O governo encaminhou várias medidas de ajuste. E agora? Cadê o programa para tentar estimular a economia? Nos parece que precisa de um plano de ação. Qual é a incerteza hoje? Há rigidez grande para cortar gastos e, a menos que venham medidas que realmente importam, o caminho mais fácil é sempre de aumento das receitas. E a discussão que se ouve é de aumento do imposto de renda pessoa física para salários maiores; se fala também do JCP; aumento de IOF adicional; em CPMF. É um grau de incerteza sobre o que pode vir por aí que retrai tanto o consumidor quanto o empresário. Como ele vai fazer investimento? Esse grau de incerteza torna muito difícil a recuperação.
Valor: Mas muita coisa que o mercado pleiteava no fim do ano passado não foi colocada?
Teixeira: Sim, mas em 12 meses, o déficit primário é de 0,8% do PIB. Parte substancial do resultado primário conseguido até agora foi de Estados e municípios. E quando se conversa com governadores e prefeitos eles dizem que isso é temporário, que a situação é muito difícil e que nos próximos meses veremos uma piora nos resultados destes entes. Os resultados fiscais caminham na direção correta, mas são compostos muito pelo ajuste das receitas e aumento das alíquotas, o que resulta em aumento da inflação. O país precisava caminhar para maior previsibilidade. Num prazo mais longo, a Previdência tem problemas gravíssimos. Eu vejo uma paixão nessa questão do fator previdenciário, mas, me parece, ao nos afastarmos um pouco da questão, que, talvez, isso tenha sido favorável.
Valor: Em que sentido?
Teixeira: Pelo menos agora, assumindo que a presidente venha a vetar, ela vai encaminhar alguma medida de alteração da legislação. O fato de o Congresso ter colocado ali o fator previdenciário tornou necessário que o governo discuta esse tema. A nossa expectativa é que as alternativas sejam favoráveis para trazer esse déficit para patamares menores ou então impedir a continuidade do aumento.
"O fato de o Congresso ter colocado o fator previdenciário tornou necessário que o governo discuta esse tema"
Valor: O governo tem como fazer isso com a oposição voltando atrás até em questões antes lideradas por ela, como o fator previdenciário?
Teixeira: Não estou dizendo que é fácil, mas o governo tem obrigação de pelo menos apontar soluções na sua leitura. O que não dá é deixar para o próximo. A política que estamos vendo tem contradições. De um lado, a autoridade monetária apertando juros, de outro uma medida para aumentar a oferta de crédito imobiliário no país. É justo? Para o tomador é. Mas para quem precisa olhar o benefício mais de médio e longo prazo, esta medida traz inconvenientes. É preciso buscar transparência. E isso inclui sinalizar para os participantes do mercado qual o ritmo de redução do subsídio TJLP x Selic. Hoje assumindo 50 pontos base de alta da TJLP por trimestre, o diferencial permanece o mesmo do ano passado e, consequentemente, dado que o volume de crédito da instituição é maior, os subsídios que têm que ser aportados em algum momento vindos do Tesouro, também tendem a ser maiores. É outra forma de tornar a política monetária menos eficaz.
Valor: Por que parece mais difícil sair dessa crise do que das outras?
Teixeira: Ficou mais difícil crescer, mas isso não é um processo só do Brasil. No mundo inteiro, o crescimento potencial de uma grande maioria de países está em queda. É preciso do governo para coordenar esse processo. Mais fácil seria a carga tributária, mas isso aumentaria a inflação. E nós temos uma das inflações mais altas, com um crescimento dos mais baixos que há. Temos que parar e propor as medidas corretas. É sempre possível pintar um cenário positivo, mas ele parece mais distante hoje. É um risco que não pode ser descartado de a inflação ser superior ao nosso 8,5%. Os juros têm o objetivo precípuo de restringir a demanda. E aí quando isso começa a acontecer se vem dizer que os benefícios de reduzir a inflação são inferiores aos malefícios sobre a atividade? O desejo é aumentar os juros, mas não se quer todas as consequências de se fazer isso e que contribuirão mais à frente para a inflação cair? O crédito está caindo, vamos estimular o crédito. Está aumentando o desemprego, vamos criar estímulos. Aí não se faz ajuste, só se aumenta juros. É o pior dos caminhos.
Valor: Há risco de impeachment, vocês têm isso no cenário?
Teixeira: Nós nunca colocamos esse evento com uma probabilidade razoável. Nos parece que a incerteza política diminuiu quando a presidente colocou como coordenador político o vice-presidente Michel Temer. Mas é importante salientar que, em nossa leitura, o que está acontecendo no Congresso é favorável. O Congresso, nas figuras de seus líderes, tem buscado votar mais. E com propostas. Se pode dizer que algumas são equivocadas, mas tem um trabalho. E aí entra nossa história de que há um projeto muito importante que precisa ser encampado. O Executivo tem que convencer o Legislativo, na presença dos presidentes da Câmara e do Senado, da relevância da discussão do pacto federativo. Trabalhado num cenário mais amplo isso pode ser favorável. O Legislativo tem votado mais. Tem se apresentado para votar e discutir. Esse é, talvez, um momento no Congresso, em que poucas vezes vimos isso. Nesse aspecto, acho que é possível ser otimista. Não é possível reduzir os juros de maneira importante enquanto o país tiver uma inflação de 8,5% ou 6,5%. É um processo que nós temos que resolver. E, no fundo, há um diagnóstico que se não é pacificado é próximo a isso, de que o fiscal tem que ser ajustado. Também já se chegou à conclusão de que não dá para reduzir carga tributária sem reduzir gastos. Então, o problema são os gastos, vamos atacar os gastos. Cabe a quem? Ao Legislativo e ao Executivo. Estamos otimistas.
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