Economia brasileira: acabou a festa? - Financial Times
Diplomacia e Relações Internacionais

Economia brasileira: acabou a festa? - Financial Times


Brasil: um peso pesado que está aprendendo a ser humilde
Joe Leahy
Financial Times,  26/03/2013

Roberto Lima da Silva está sentado na velha motocicleta que usa para seu trabalho como motoboy, esperando pelo fim de um dos torrenciais temporais de São Paulo. "Tenho uma moto 2003, e queria trocá-la por um modelo mais novo", diz. Mas explica que dois terços de sua renda mensal é dedicada ao pagamento de velhas dívidas.
"O problema é que minhas dívidas não deixam", ele diz sobre o plano de trocar de veículo.
A indústria de motocicletas do Brasil reflete um mal de alcance mais amplo na maior economia da América Latina. As vendas dos veículos de duas rodas cresceram fortemente até 2011, com milhões de novos compradores de baixa renda aproveitando o crédito fácil para adquirir uma Honda ou Yamaha zero.
No ano passado, porém, a situação mudou, porque os financiamentos se tornaram mais difíceis; a produção das montadoras caiu em mais de 20%, e a tendência de queda vem se mantendo este ano.
Como muitos outros setores da indústria brasileira, o de motocicletas agora quer ajuda do governo federal, em Brasília, para resolver seus problemas. Os executivos sabem que o governo da presidente Dilma Rousseff está desesperado para reviver o milagre econômico que o país viveu no passado.
O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu em menos de 1% no ano passado, a menor alta entre os países do grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).
Os investidores estão rejeitando o Brasil e optando pelo México, algo que seria impensável dois anos atrás. Ainda que a presidente mantenha sua imensa popularidade, a economia é um possível problema para as perspectivas de reeleição de Rousseff, no ano que vem.
A resposta de seu governo foi interferir em setores que variam da energia às telecomunicações, com uma mistura de medidas de incentivo e repressão, de benefícios fiscais a cortes forçados de preços.
AJUDA
Mas o crescente envolvimento do governo nos negócios vem se provando controverso. De um lado, representantes dos bancos e do mercado financeiro argumentam que o Brasil está recuando às políticas intervencionistas que já se provaram fracassadas no passado. O setor industrial rebate alegando que a indústria afundaria devido ao custo elevado e a uma onda de importações, sem ajuda do governo.
O único ponto de consenso parece ser o de que os 10 anos de ventos favoráveis que o país viveu, com a ajuda de preços robustos para as commodities e um influxo generoso de capital estrangeiro devido à política monetária frouxa nos países desenvolvidos, ficaram no passado. O Brasil precisa abastecer seus propulsores internos de crescimento, acima de tudo o investimento.
"Estamos falando basicamente sobre qual seria o potencial de crescimento do Brasil, sobre quanto o Brasil poderia crescer nesse mundo em que as commodities não ajudam, os países desenvolvidos não crescem; e não temos resposta a essa pergunta, por enquanto", disse Roberto Setubal, presidente-executivo do Itaú Unibanco, o maior banco privado brasileiro. "É evidente que o Brasil precisa mudar de modelo".
A intervenção pode criar ou destruir fortunas para um investidor, no Brasil. Em março, as ações da Petrobras saltaram em 9% depois que o governo inesperadamente permitiu que a companhia estatal aumentasse os preços do diesel.
Embora o governo negue oficialmente que controla os preços ao consumidor dos combustíveis, a Petrobras é forçada a vender combustível de suas refinarias a preços inferiores aos internacionais, a fim de ajudar a controlar a inflação, o que esgota as reservas de caixa de que necessitaria para desenvolver as gigantescas bacias de petróleo offshore do Brasil.
"Foi uma surpresa positiva", diz Brunella Isper, da Aberdeen, uma administradora de investimentos de São Paulo. "Talvez o governo esteja sinalizando que não está mais disposto a usar a Petrobras como ferramenta de controle da inflação, o que, se verdade, seria excelente".
INTERVENÇÃO NO CÂMBIO E PROTECIONISMO
A onda de intervenções data de 2009, quando o Brasil iniciou o que definiu como "guerra cambial". O governo estava preocupado com o investimento de especuladores estrangeiros no Brasil para explorar a alta taxa de câmbio brasileira, o que resultava em alta no valor cambial do real diante do dólar e em problemas de competitividade para a indústria local. O episódio chegou a um clímax em 2011, quando o Brasil elevou as alíquotas do imposto sobre transações financeiras de toda espécie, dos títulos e swaps a empréstimos estrangeiros, a fim de conter a entrada de capital.
Por fim, o real terminou caindo. Ainda que o Fundo Monetário Internacional (FMI) tenha expressado cautelosa aprovação aos controles cambiais, diversos economistas questionaram o valor da guerra cambial. Tony Volpon, da Nomura, argumenta que os controles cambiais contiveram o ingresso de capitais e prejudicaram a confiança dos investidores no exato momento em que a economia começava a se desacelerar, na metade de 2011, devido à crise do euro. Isso explica, em parte, porque a economia brasileira parou de crescer muito mais rápido que as demais economias emergentes - o PIB cresceu 7,5% em 2010 e apenas 0,9% no ano passado. Pior, o câmbio em baixa não parece ter ajudado muito a reanimar a indústria, que sofre devido aos custos elevados e a aumentos salariais que superam os ganhos de produtividade.
Além do câmbio, o governo também voltou a impor medidas de protecionismo direto. As quatro grandes montadoras de automóveis do Brasil - Fiat, Ford, General Motors e Volkswagen - conseguiram proteção em 2011 contra os carros importados asiáticos de baixo preço. O IPI dos carros com menos que um dado nível de conteúdo nacional subiu em 30 pontos percentuais, o que deteve a ascensão de diversas montadoras sul-coreanas e chinesas.
Em um esforço para salvar empregos, o governo reduziu as contribuições previdenciárias de 40 setores. As empresas aplaudiram a decisão. Mas a natureza improvisada das medidas resultou em mais incerteza quanto ao investimento, argumentam os economistas. Jin-Yong Cai, presidente da International Finance Corporation, a divisão do Banco Mundial que financia o setor privado, disse ao "Financial Times" que "empresas buscam estabilidade e transparência, e não é bom conferir tratamento especial a um ou outro setor, o que em minha opinião cria distorções".
No segundo semestre de 2011, o banco central deu início a um ciclo dramático de relaxamento da política monetária, que reduziu a taxa Selic a 7,25%, um recorde de baixa no Brasil. Mas Rousseff ficou irritada quando os bancos se recusaram a oferecer mais empréstimos. Disso surgiu uma desagradável disputa pública entre o governo e os bancos privados, que resistiam às exortações por mais empréstimos, argumentando que os brasileiros já estavam excessivamente endividados.
"Para o Brasil, a questão é que o consumo, por muitos anos o propulsor do crescimento, já não pode continuar crescendo em ritmo tão rápido", afirma a Capital Economics, uma empresa de pesquisa sediada em Londres.
ESTÍMULO AO DESENVOLVIMENTO
Depois do fracasso das intervenções anteriores no que tange a reanimar o crescimento, no ano passado o governo adotou uma visão mais estratégica. Rousseff começou a tomar por alvo os altos custos dos negócios no Brasil - que ocupa a 130ª posição entre os 185 países pesquisados pelo Banco Mundial para o ranking Doing Business, abaixo de Bangladesh e da Rússia mas acima da Índia. Ela também começou a tentar estimular o nível de investimento brasileiro, estimado em insuficientes 18% do PIB no ano passado e inferior aos 21,% da China e aos quase 24% do Chile.
Primeiro vieram gigantescos programas de infraestrutura. Uma medida mais controversa do governo foi renegociar os contratos de concessão de eletricidade, que estavam por vencer, dando às operadores a escolha de prorrogá-los imediatamente - em troca de corte profundo nas tarifas - ou enfrentar novas concorrências quando os contratos expirassem. Isso causou colapso nas ações do setor de eletricidade, irritando os investidores, mas foi elogiado pelas organizações setoriais da indústria.
Os críticos argumentam que o resultado final disso foi que, embora as companhias estrangeiras tenham mantido o otimismo no ano passado, realizando US$ 65 bilhões em investimento direto no Brasil, a ampla gama de mudanças gerou tamanha incerteza que os investidores nacionais e os administradores de fundos estrangeiros começaram a segurar suas aplicações.
"O intervencionismo excessivo tem um custo, e ele foi de provavelmente 0,2% no índice de crescimento brasileiro no ano passado", disse Marcelo Salomon, economista da Barclays Capital.
Mas há quem veja algumas das intervenções como esforços importantes para levar o Brasil adiante no caminho de desenvolvimento e enfrentar o notório "custo Brasil". Os juros cobrados pelos bancos sobre certos produtos, por exemplo, os cheques especiais, chegaram aos três dígitos. A campanha de Rousseff representava um esforço para combater esse problema.
O Brasil tem a maior participação mundial de hidrelétricas em sua geração de energia, 82% no ano passado. Mas as tarifas elétricas pagas pelos brasileiros estão entre as mais altas do mundo. A intervenção do governo na eletricidade reduziu os custos de energia em 14% este ano, de acordo com o Itaú-Unibanco.
O governo também está promovendo outras reformas, que os investidores mal percebem. Rousseff quer dobrar o investimento na educação, para 10% até 2020, e está promovendo um avanço no Estado de Direito ao demonstrar menos tolerância pela corrupção entre seus ministros e em seu partido.
"Ainda que os investidores sempre assumam a posição de que intervenções são ruins, o que os investidores querem nem sempre é o melhor para um país em longo prazo", diz Haroon Sheikh, da Cyrte Investments, da Holanda.
A história do rápido desenvolvimento no nordeste da Ásia, como o foco do governo sul-coreano na educação e o uso dos grandes conglomerados industriais, os chaebol, para desenvolver indústrias com valor adicionado, oferece exemplos de intervenções bem sucedidas.
Nem toda intervenção é boa, ele acrescenta. Subsídios, programas de conteúdo local compulsório e redução nos custos de crédito precisam ser acompanhados por diretrizes severas para garantir que as indústrias que não se tornarem competitivas mundialmente perderão o benefício. Uma parte crucial da bem sucedida política industrial leste asiática é "permitir que as coisas menos importantes morram e concentrar atenção nas demais", diz Sheikh.
REAÇÃO DA ECONOMIA
Existe uma crescente sensação de que a fase mais frenética de intervenções pode estar se esgotando. Um banco central mais ativo vem combatendo a inflação e ameaça uma alta de juros. A alta nos preços dos combustíveis e a promessa das autoridades de exigir maiores retornos nos projetos de infraestrutura foram interpretadas pelos investidores como sinal de que o governo ainda os ouve. A economia parece estar reagindo, e janeiro já viu crescimento melhor.
Os analistas políticos afirmam que, embora seja necessária uma abordagem mais metódica quanto à reforma econômica, Rousseff provavelmente continuará na corda bamba entre concessões a setores politicamente importantes e a promoção de mudanças mais abrangentes. Se a indústria começar a demitir trabalhadores, isso prejudicaria suas chances de reeleição e estimularia os candidatos rivais, como Eduardo Campos, o carismático governador do Estado de Pernambuco, cuja economia vem crescendo vigorosamente.
Talvez por isso, Marcos Zaven Fermanian, presidente da Abraciclo, a associação setorial dos fabricantes de motos e bicicletas brasileiros, continua confiante em que a indústria receberá ajuda. "Os bancos estatais elevaram o volume de financiamento aos nossos clientes, mas ainda existe espaço para crescimento", ele diz.



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