Dia do diplomata: os discursos como eles foram...
Diplomacia e Relações Internacionais

Dia do diplomata: os discursos como eles foram...


Os links abaixo retomam toda a cerimônia de formatura do Itamaraty, o que é melhor do que simplesmente ler os discursos, pois o que vai falado é o que corresponde efetivamente à verdade, com as emoções e reações do momento, não o que pode ter sido consignado oficialmente a posteriori:
1) Discursos iniciais: http://www.youtube.com/watch?v=T04TtI70Nl4
2) Discurso da presidente: http://www.youtube.com/watch?v=ak51lm3-QMo&feature=related
Em todo caso, foi feita a transcrição do discurso da presidente, reproduzido abaixo, o que deve resumir, segundo alguns, as diretrizes efetivas para a política externa do Brasil. Ainda que se afirme que ele transmite exatamente o que foi dito, comparando-se o que ela falou, no video, com o texto aqui abaixo transcrito, podem-se detectar pequenas diferenças gramaticais. Apenas curiosidade...



Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na cerimônia de formatura da Turma de 2010-2012 do Instituto Rio Branco 

Eu queria iniciar cumprimentando, e quebrando o protocolo – porque o Itamaraty também tem de quebrar o protocolo -, cumprimentando a turma dos formandos, porque essa turma é o presente e é o futuro do Brasil. Então, começo por cumprimentar a todos.
Cumprimentar também o embaixador Antonio Patriota, ministro de Estado das Relações Exteriores, e aproveito e cumprimento o decano dos diplomatas, o Antonio Patriota pai.
Queria cumprimentar as senhoras e os senhores chefes de missão diplomática aqui presentes,
O embaixador Ruy Nogueira, secretário-geral das Relações Exteriores,
Queria dirigir um cumprimento muito especial ao Samuel Pinheiro Guimarães, paraninfo da turma,
Milena Oliveira de Medeiros,
E também a uma pessoa que deu grandes contribuições para o nosso país, no que se refere a uma visão de Brasil e de presença do Brasil no mundo, de forma bastante inovadora, e que sempre lutou pelo desenvolvimento deste país.
Queria cumprimentar a senhora Raimunda Carneiro, mãe da secretária Milena Oliveira de Medeiros, que dá nome à turma 2011-2012 [2010-2012], e dizer a ela que nós temos na Milena um exemplo deste novo Brasil que está surgindo. E a mim comove imensamente que essa turma tenha escolhido a Milena. Porque a Milena representa este Brasil de oportunidades, este Brasil que, de fato, poderia ter na Milena uma ministra, uma grande diplomata e uma presidenta.
Queria também cumprimentar aqui o senhor embaixador Georges Lamazière, diretor do Instituto Rio Branco,
A secretária Maria Eugênia Zabotto Pulino, oradora da Turma de 2010-2012, que evidenciou algo que nós temos muito orgulho. Primeiro, a boa formação, a clareza na elaboração de suas ideias, e também mostrou a força do que este nosso Brasil, que está surgindo, é capaz de desempenhar e, portanto, é capaz de ajudar a essas mudanças tão necessárias no país.
Queria cumprimentar os senhores e as senhoras embaixadores aqui presentes,
As senhoras e senhores familiares.
Dirigir um especial cumprimento aos pais e às mães por terem este orgulho de verem seus filhos aqui se formando.
Queria também cumprimentar os senhores jornalistas, os senhores fotógrafos e cinegrafistas.

Senhoras e senhores,

A minha palavra inicial é de apreço, como eu disse, às alunas e aos alunos que concluem sua formação no Instituto Rio Branco e passam a integrar, formalmente, o corpo diplomático brasileiro. Eu quero dirigir uma saudação a cada um deles, pela responsabilidade, pelo papel que eles vão desempenhar daqui para frente para o nosso país. Associo-me mais uma vez à perda e ao pesar que nós todos temos pela perda da Milena Oliveira de Medeiros, morta no cumprimento das suas responsabilidades.
Queridas formandas e queridos formandos,
O lugar que um país ocupa no mundo está muito ligado e está prioritariamente vinculado ao papel que esse país ocupa em relação ao seu povo. Enfim, está vinculado às mudanças internas que ele é capaz de realizar ou que ele realizou. E o Brasil não foge a essa regra. A importância que nós temos decorre de todas nossas ações que, de uma forma ou de outra, são reconhecidas nesse mundo absolutamente interconectado, por redes sociais, por jornais, enfim, por todos sistemas de comunicação modernos. E as transformações recentes na nossa economia, a afirmação da nossa sociedade, através do processo de desenvolvimento que distribuiu renda, que abriu oportunidades para o nosso povo, dá uma dimensão a um país firmemente comprometido com a questão da democracia, firmemente comprometido com os direitos humanos, firmemente comprometido com a igualdade e os princípios da distribuição de renda e da melhoria de vida do povo.
Essa visão que transforma hoje o Brasil numa grande nação, numa nação – e aí eu vou divergir um pouco do Samuel – eu acredito que nós temos uma imensa capacidade de nos relacionarmos, não só na América Latina, mas na África, na Ásia, na Europa, inclusive na América do Norte. E creio que esse posicionamento do Brasil é um reconhecimento por duas coisas. Num mundo crescentemente desigual, num mundo em que todo o desenvolvimento, todo o crescimento tem levado não a uma diminuição das diferenças, não a uma diminuição das diferenças sociais, nem territoriais, mas numa ampliação, num mundo em que, por exemplo, 1% controla 40% por cento da riqueza, e isso tende a se ampliar, num mundo em que a saída da crise tem levado à perda de direitos, à precarização do trabalho e a imensas chagas sociais, o Brasil corre em trilha completa e totalmente diferente.
Primeiro, nesse mundo, nós provamos que no Brasil e não era só no Brasil, algo que era de uma certa forma uma visão distorcida e muito especializada para países em desenvolvimento, que não era possível crescer e distribuir renda. Nós rompemos com isso. O grande respeito que nós temos é porque nós não governamos sem olhar o nosso povo. Um país que deixa seu povo à margem do seu desenvolvimento e do seu crescimento, não é respeitado por ninguém. Nós temos a nossa capacidade de produzir respeito, porque produzimos antes melhorias econômicas e sociais. Estabilizamos a economia brasileira. Não somos mais dependentes do Fundo Monetário. Temos mais de US$ 360 bilhões em reserva. Controlamos a inflação, mas, sobretudo, tiramos 40 milhões e os elevamos, de situações de miséria, e os elevamos à classe média. Além disso, temos hoje uma política muito clara de continuar o trabalho e prosseguir no rumo de incluir na sociedade brasileira os 16 milhões que ainda vivem à margem, em situação de extrema miséria.
Tudo isso mostra que não somos só um país que valoriza o desenvolvimento econômico – valorizamos sim, até porque precisamos dele. Precisamos crescer mais rápido para poder distribuir renda, mas, sobretudo, porque melhoramos a vida do nosso povo e transformamos um povo, que era marginalizado e não podia participar dos benefícios do desenvolvimento econômico. Transformamos esse povo em consumidor, em trabalhador, em pequeno empresário e demos a ele oportunidades, através de programas estratégicos, como é o programa de educação, que permitiu que mais jovens tivessem acesso à educação profissional. E garantimos a internalização no nosso país de universidades através do ProUni, que é o acesso do estudante mais pobre a escolas privadas universitárias. Ampliamos as universidades públicas. E mais, hoje percebemos, cada vez mais, que o grande motor para mudar é ciência, tecnologia e inovação.
Nós temos que fazer as duas atividades. As duas tarefas muito diferentes, mas, por isso, que mostram a complexidade do nosso país. Ao tempo que nós combatemos a miséria, nós temos de ser capazes a responder aos desafios do Século XXI: ciência, tecnologia e inovação.
Nós temos, hoje, um bônus que se chama, um bônus ligado à nossa distribuição etária, à nossa matriz de idades, vamos dizer assim. O fato de que durante, até em torno de 2030, nós seremos um país que todos os trabalhadores, todos os empresários, enfim, todas as pessoas ativas, o número delas ultrapassará aqueles que dependem socialmente como as crianças, os jovens em idade de não trabalho e, sobretudo, os idosos. Esse bônus demográfico do país, ele permitirá que o país se desenvolva, e mais do que isso, se nós formos capazes de capacitar a nossa força de trabalho, se nós formos capazes de dar educação de qualidade a todos, de transformar este país, de fato, numa grande potência.
Nós somos, hoje, e isso é algo extremamente volátil, nós somos a sexta potência. Depende da taxa de câmbio, tem uma variável taxa de câmbio. Mas não é isso que importa. O que importa é que nós sejamos, do ponto de vista do nosso país, do ponto de vista da nossa população, de fato, a sexta economia em matéria de renda per capita e de acesso à educação e aos serviços públicos de qualidade.
É esse país que nós estamos projetando internacionalmente, é esse país que tem o pré-sal, é esse país que é uma potência alimentar, é esse país que não vai deixar a sua indústria, que é uma indústria razoavelmente complexa, ser sucateada por nenhum processo de desvalorização de moedas e nem por guerras comerciais, que usam métodos não muito, eu diria assim, não muito éticos.
Esse país tem uma imensa capacidade de projeção internacional, porque esse país se encontrou internamente. Isso é extremamente importante. É só por isso que nós, hoje, temos extrema capacidade de projeção internacional. Deve-se a nós mesmos. Não se deve a nenhuma simpatia ou nenhuma preferência. Deve-se à força do próprio país. Por isso, eu acredito que é muito importante perceber as relações entre política interna e política externa no Brasil. O que nós defendemos lá fora é o que nós fazemos aqui dentro. E isso é crucial.
Ao mesmo tempo, vivemos num mundo em transformação, num mundo multipolar, um mundo que está mudando, que mudou. Primeiro de uma situação bipolar para uma situação de quase hegemonia unipolar, mas que hoje, percebe-se claramente a multipolarização que existe. Neste mundo, o Brasil tem um papel especial, extremamente complexo. Não é um papel simples que nós podemos fazer uma lista e falar: “primeiro isso, segundo aquilo, terceiro aquilo”. Não é assim, é simultâneo. Simultaneamente, nós temos de ter uma presença fortíssima na América Latina e uma presença que transforma as fronteiras da América Latina e as responsabilidades do Brasil em relação à América Latina na responsabilidade do país com maior PIB, com maior poder econômico e, ao mesmo tempo, um país que tem de mostrar que uma outra política, de relacionamento internacional é possível. Uma outra política não imperialista, não de subordinação do país menor, não de aproveitamento da força e da imposição de modelos.
Nós temos de mostrar, aqui na América Latina, que é possível uma relação econômica mais equilibrada. Uma relação econômica de integração de cadeias produtivas e que os países, diferenciadamente, ganhem, reconhecendo o papel de cada país nesse cenário, sabendo, inclusive, que há diferenças. Sabendo que há relações diferenciadas também desses países com o mundo.
É importantíssimo que, simultaneamente, saibamos que os BRICS são estratégicos para o Brasil. Nós, os BRICS, somos quase hoje responsáveis por 56%, se não me falha a memória, da taxa de expansão da economia internacional. Os BRICS são diferentes. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, somos completamente diferentes, mas somos representantes de continentes diversos. Implica num reconhecimento da presença do Brasil em um fórum em que países bastantes significativos e com presença internacional ocupam na cena. Significa que o Brasil tem um diálogo especial e uma relação com, tanto dentro dos BRICS, quanto dentro dos IBAS, que é Índia, Brasil e África do Sul, nós temos um fórum no qual o Brasil não é só ouvido, o Brasil é protagonista.
Acredito que a relação com os países da Ásia é estratégica para o Brasil. É estratégica, porque o Brasil é um grande fornecedor e será sempre um grande fornecedor de commodities, mas será, e eu asseguro a vocês, um grande fornecedor também de manufaturas.
Nós temos de equacionar três amarras do país e construir o caminho, o chamado quarto caminho. As três amarras são: taxa de juro, taxa de câmbio e impostos altos. E o caminho é a educação de qualidade.
Nós temos, porque somos mais homogêneos, uma grande de possibilidade de presença no mundo. Além disso, nós temos de manter os nossos relacionamentos com a União Europeia e com os Estados Unidos. Nós não só temos, como devemos e podemos. E, hoje, temos também um fórum muito importante que é o G-20, no qual essas discussões podem, em alguns momentos parecer que não saem do lugar, mas elas constituem um espaço completamente diferente do G-8, do G-7 ou do G-9, que várias vezes ocorria no passado. É inimaginável que nós não estejamos sentados na mesa, na negociação. Hoje, é inimaginável.
O Brasil também tem uma característica que nós temos de preservar, de respeitar nós mesmos. O fato de nós sermos um país com uma tradição muito forte de paz, de democracia. Agora, no passado não foi, mas agora, nós construímos o nosso processo democrático.
Temos de respeitar os direitos humanos. Esse processo é um valor. É um valor por que? É um valor, porque o nosso povo é um povo que tem espaço de manifestação, a nossa imprensa tem liberdade e nós estamos acostumados com a diferença.
Nós não nos assustamos quando alguém tem uma posição diversa, nós não deixamos de convidá-lo para comparecer às reuniões. Nós não achamos que nós temos de nos reunir só com as pessoas que pensam igual a nós. É essa característica profunda do Brasil que nos torna um país respeitado em todas as áreas, porque somos um país capaz de diálogo. E isso é um valor que nós temos, um grande valor que nós temos.
Eu queria dizer que todo esse cenário mais complexo vai exigir dos diplomatas brasileiros duas características. Vocês têm, de fato, de ser generalistas, mas não se iludam. Vocês tem de ser também especialistas. É impossível debater, no plano internacional, se você não souber do que você está falando. Se isso é exigido para um presidente, quanto mais do diplomata, que é fundamental para o presidente ter as informações necessárias. Então, eu digo para vocês o seguinte: não tem só generalista, não. Eu perguntei há pouco para o Patriota: “Patriota, quantos engenheiros?”. Sabe por que eu perguntei quantos engenheiros? Porque nós vamos discutir ciência, tecnologia e inovação. Eu quero saber quem é melhor em biotecnologia. Eu quero saber como é que eu faço a ponte. Isso é fundamental. A gente não precisa, eu perguntei para o Patriota, mas quero dizer a vocês que a gente não precisa ser formado em engenheiro para entender de algumas coisas. Mas é importante que o Itamaraty tenha engenheiros. É importante. É importante que o Itamaraty tenha físicos. É importante. É importante que o Itamaraty tenha matemáticos. É importante. Porque nós vamos entrar no Século XXI a partir de toda uma situação em que nós já estamos, mas será mais exigida daqui para frente. Esse é o século do conhecimento. Esse é, sobretudo, o século do conhecimento. É o século da capacidade de se dominar certas tecnologias e é o século da capacidade nossa de inventar, de criar. É o século, também, que permitirá que aqueles países que tenham na sua força de trabalho, no seu povo, a sua maior riqueza, seja o país que estará mais bem condicionado internacionalmente. Apesar de nós termos tudo aquilo, petróleo, indústria, nós temos de apostar na qualidade do ensino da população brasileira. Isso é o estratégico e isso vale para o Itamaraty também. E eu acredito que nós temos um caminho de muitas transformações que nós temos que entender rapidamente e estar prontos para atuar. Essa flexibilidade também é característica do Brasil. Eu acho que é essa combinação de criatividade com imensa capacidade, ser flexível, de entender rapidamente, de conviver com a diferença que distingue esse país. E torna ele imbatível.
Queria dizer a vocês que para mim foi muito emocionante o fato de vocês escolherem a Milena e não o Barão [do Rio Branco]. Eu acho o Barão uma das personagens mais importantes desse país, porque o Barão foi responsável pelo mapa do país, pela definição do nosso território sem guerra. O Barão foi, talvez, um dos mais hábeis diplomatas que o mundo já viu. Nós sabemos, todos nós, da importância dele, mas eu acho que o ato de escolha não é um ato em detrimento do Barão, é um ato de afirmação das oportunidades que esse país tem de dar para as pessoas.
A Milena Oliveira de Medeiros, e aqui eu encerro dizendo, que esse país, ele tem que ter muitas mulheres. E que eu espero que nós todos aqui, presidentes, diplomatas, alunos, enfim, todos nós aqui presentes sejamos capazes de permitir que esse país tenha muitas Milenas.
Muito obrigada.



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