Contestei num post de hoje um texto publicado na Folha com seis perguntas e seis respostas sobre o decreto bolivariano de Dilma Rousseff. Pareceu-me que o texto do jornal resolveu ignorar os riscos potenciais nele contidos, fixando-se apenas em seus aspectos burocráticos. Muito bem! Até havia pouco, eu tinha noventa por cento de certeza de que se tratava de um projeto autoritário e de uma tentativa de submeter a sociedade brasileira ao filtro de conselhos comandados pelo PT e pelas esquerdas. Agora, eu tenho cem por cento. Em matéria de direito e democracia, é sempre bom perguntar — ou tentar saber — o que quer Fábio Konder Comparato. Não faça, leitor, é claro!, juízos automáticos. Mas convém ligar o sinal de alerta: o “dotô” costuma querer o que serve ao PT — quando não está à esquerda do partido, o que também pode acontecer.
Muito bem! Se o governo quisesse apenas “organizar” a intervenção de conselhos na administração como parte, digamos, de suas atribuições burocráticas, caberia uma primeira pergunta: por que fazer isso por decreto? Se o dito-cujo não tivesse, assim, grande importância, por que tamanha determinação em defendê-lo? Pois é… Agora a coisa ficou mais explícita.
Comparato lidera um “Manifesto de Juristas e Acadêmicos” em favor da Política Nacional de Participação Social. O PT decidiu transformar a estrovenga autoritária numa questão de honra. Lá nos porões do petismo, avalia-se que o caso pode ganhar até uma tradução eleitoral. O partido quer dividir o país entre os que são e os que não são favoráveis à “participação popular”. É evidente que se trata de vigarice intelectual.
Há mais dois nomes conhecidos que encabeçam a lista: Frei Betto, aquele sedizente católico da Teologia da Cubanização, e Maria Victória Benevides, que, como intelectual, é militante petista e, como militante petista, é militante petista mesmo!
Leiam o texto (em vermelho). Volto em seguida.
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” art. 1º. parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Em face da ameaça de derrubada do decreto federal n. 8.243/2014, nós, juristas, professores e pesquisadores, declaramos nosso apoio a esse diploma legal que instituiu a Política Nacional de Participação Social.
Entendemos que o decreto traduz o espírito republicano da Constituição Federal Brasileira ao reconhecer mecanismos e espaços de participação direta da sociedade na gestão pública federal.
Entendemos que o decreto contribui para a ampliação da cidadania de todos os atores sociais, sem restrição ou privilégios de qualquer ordem, reconhecendo, inclusive, novas formas de participação social em rede.
Entendemos que, além do próprio artigo 1º CF, o decreto tem amparo em dispositivos constitucionais essenciais ao exercício da democracia, que preveem a participação social como diretriz do Sistema Único de Saúde, da Assistência Social, de Seguridade Social e do Sistema Nacional de Cultura; além de conselhos como instâncias de participação social nas políticas de saúde, cultura e na gestão do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (art. 194, parágrafo único, VII; art. 198, III; art. 204, II; art. 216, § 1º, X; art. 79, parágrafo único).
Entendemos que o decreto não viola nem usurpa as atribuições do Poder Legislativo, mas tão somente organiza as instâncias de participação social já existentes no Governo Federal e estabelece diretrizes para o seu funcionamento, nos termos e nos limites das atribuições conferidas ao Poder Executivo pelo Art. 84, VI, “a” da Constituição Federal.
Entendemos que o decreto representa um avanço para a democracia brasileira por estimular os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta a considerarem espaços e mecanismos de participação social que possam auxiliar o processo de formulação e gestão de suas políticas.
Por fim, entendemos que o decreto não possui inspiração antidemocrática, pois não submete as instâncias de participação, os movimentos sociais ou o cidadão a qualquer forma de controle por parte do Estado Brasileiro; ao contrário, aprofunda as práticas democráticas e amplia as possibilidades de fiscalização do Estado pelo povo.
A participação popular é uma conquista de toda a sociedade brasileira, consagrada na Constituição Federal. Quanto mais participação, mais qualificadas e próximas dos anseios da população serão as políticas públicas. Não há democracia sem povo.”
Voltei
Trata-se de uma tentativa de constranger o Congresso com essa conversa supostamente especializada de “nós, juristas, professores e pesquisadores…”, como se isso os colocasse acima dos cidadãos comuns. Reitero, na vigência desse decreto, qualquer juiz pode nele se ancorar para negar uma reintegração de posse, com base na premissa de que é preciso haver antes uma “mesa de negociação”.
Se a esquerda não visse aí a chance de ampliar permanentemente seu domínio do estado brasileiro, não iria fazer um manifesto. Fábio Konder Comparato, Frei Betto e Maria Victória Benevides encabeçando a iniciativa? Então o decreto é golpista e bolivariano mesmo! Agora tenho cem por cento de certeza.