Alguns chamam de remendos, outros, de puxadinhos. As duas palavras servem para descrever as muitas improvisações da política econômica, usadas como disfarces de problemas sérios ou, em alguns casos, como soluções do tipo meia-sola. Já é rotineiro o recurso a truques velhos e bem conhecidos, como o controle dos preços de combustíveis para maquiar o índice de inflação ou o prolongamento de incentivos temporários para compensar a carência de uma estratégia efetiva de crescimento. De remendo em remendo, as autoridades vão disfarçando ou empurrando para a frente problemas sérios como a inflação longe da meta, custos industriais bem mais altos que os de outros países, contas públicas em deterioração e investimentos muito abaixo dos necessários. Doze expedientes desse tipo foram relacionados em reportagem no Estado de domingo. Alguns seriam justificáveis como ações de emergência. Mas nada pode justificar a transformação da emergência em pano de fundo permanente da gestão pública.
O remendo mais ostensivo talvez seja a contenção dos preços da gasolina e de outros derivados de petróleo por vários anos. Isso ajuda a frear a alta do índice de inflação, sem eliminar, no entanto, as pressões mais importantes, em geral associadas ao excesso de gasto público e à rápida expansão do crédito. A distorção já seria perigosa se essa política apenas mascarasse os números da inflação. Mas o truque produziu outras consequências: afetou a receita da Petrobrás, desajustou a relação entre os preços da gasolina e do etanol, desestimulou o investimento na produção de álcool e forçou o aumento da importação de combustíveis.
Menos visíveis para a maior parte das pessoas são os remendos ou puxadinhos destinados a ajeitar as contas públicas. Neste ano, o governo deve mais uma vez compensar a falha no cumprimento da meta fiscal com um expediente previsto em lei, mas nem por isso saudável: tentará cobrir a diferença entre o programado e o realizado com o valor investido no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Dificuldades de receita em períodos de crise são normais, mas igualmente normal deve ser o esforço do governo para ajustar seus gastos à escassez de recursos. Em países com melhor administração, o Tesouro realiza uma economia extra em tempos de bonança para gastar nas fases de dificuldades. O Brasil continua longe desse padrão, até porque o orçamento é cada vez mais rígido. Em vez de enfrentar o problema, o Executivo recorre ao desconto da meta fiscal e infla a receita com doses extras de dividendos de estatais.
Mas o governo, além de se conformar com finanças cada vez menos flexíveis, agrava o problema com a reedição de práticas reconhecidamente perigosas e banidas no fim dos anos 80. Em 2009, o Tesouro transferiu recursos ao BNDES para o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI). O governo podia justificar a iniciativa como parte da política anticrise. Essa ajuda seria temporária, mas o prazo foi prorrogado várias vezes e o programa continua em vigor.
A transformação de ações provisórias e emergenciais em linhas de política econômica tem sido uma característica da gestão federal. Isso ocorreu por mais de um motivo no caso do desconto do IPI concedido a alguns setores da indústria. A renovação do incentivo foi abertamente justificada com duas considerações. Manter o imposto reduzido prolongaria o estímulo ao consumo e evitaria um reajuste de preços dos automóveis e de outros produtos. Este segundo objetivo nunca foi segredo.
Da mesma forma, o governo atribui claramente duas funções à pretendida redução das contas de eletricidade no próximo ano - reduzir os custos industriais e manter controlado o índice de inflação. Se o truque funcionar, o Banco Central poderá mais facilmente manter reduzida a taxa básica de juros, uma das fixações da presidente Dilma Rousseff. Com tudo isso, as possibilidades de crescimento econômico igual ou superior a 4% por vários anos, a partir de 2o13, permanecem escassas, assim como as perspectivas de um aumento substancial da taxa de investimento. A insistência na improvisação combina mal com os grandes itens da agenda econômica de 2013.
* DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP
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