As contas públicas vão mal e os apuros do governo ficarão evidentes, mais uma vez, quando o Executivo mandar ao Congresso, hoje, o relatório de execução orçamentária do terceiro trimestre. O documento conterá as novas projeções oficiais de crescimento econômico, da arrecadação e dos gastos e, naturalmente, do superávit primário, isto é, da economia planejada para o pagamento dos juros da dívida pública.
Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi ao Palácio do Planalto para examinar com a presidente Dilma Rousseff as possibilidades de corte do gasto federal. Diante da arrecadação minguante, só um ajuste rigoroso poderia evitar um resultado fiscal muito inferior àquele prometido até o mês passado. Mas as promessas de cortes também minguaram nas últimas semanas, enquanto se intensificavam em Brasília as discussões sobre a contenção de gastos aceitável numa crise como a deste ano.
O governo prometeu inicialmente um superávit primário equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2013. Isso deveria corresponder a cerca de R$ 155 bilhões. As autoridades anunciaram depois a intenção de abater até R$ 45 bilhões da meta.
Esse valor foi em pouco tempo elevado a R$ 65,2 bilhões. A redução, nesse caso, equivaleria à soma das desonerações tributárias previstas para o ano e dos valores aplicados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso reduziria o resultado primário a 2,3% do PIB.
Essa porcentagem foi reafirmada como resposta às manifestações de rua, num esforço do governo para mostrar compromisso com a austeridade. A presidente Dilma Rousseff chegou a propor aos governadores um pacto de responsabilidade fiscal, como se o governo da União estivesse em condições de dar o exemplo e de cobrar o envolvimento de todos num espetáculo de seriedade. Essa atitude foi também uma tentativa de compensar o desgaste provocado por declarações do secretário do Tesouro, Arno Augustin, sobre novos padrões de política orçamentária.
A nova orientação, segundo ele, seria ajustar a execução fiscal ao ciclo econômico, com mais economia nos períodos de bonança e mais gastos nas fases de vacas magras. Como a tradição, no setor público, tem sido muito mais de gasto que de economia, essas declarações foram interpretadas como um anúncio de relaxamento geral da política. O pacto de responsabilidade proposto pela presidente deveria ser uma reafirmação dos compromissos de austeridade - de fato, jamais cumpridos pelo governo há muitos anos.
Para cumprir a meta fiscal, mesmo com o desconto de R$ 65,2 bilhões, o governo deveria, segundo as avaliações correntes, cortar alguns gastos. Começaram a circular números possíveis, com base em declarações tanto públicas quanto reservadas de autoridades federais.
Falou-se inicialmente num corte de cerca de R$ 20 bilhões. Seria mais realista interpretar essa promessa como anúncio de um contingenciamento, isto é, de uma contenção de gasto sujeita à evolução da receita do governo. Se a arrecadação fosse mais satisfatória do que se havia previsto, o dinheiro seria liberado.
Nunca se levou muito a sério essa promessa de austeridade. Afinal, o governo já estava providenciando a antecipação de dividendos de bancos e empresas sob controle da União. Além disso, já se previa o ingresso de R$ 15 bilhões como bônus de uma licitação de área do pré-sal. O corte de gasto acabaria sendo em boa parte uma encenação de austeridade.
Mas a história continuou. Em pouco tempo o corte estimado foi reduzido a R$ 15 bilhões e, logo em seguida, a algo abaixo desse valor. A conversa mudou de novo nos últimos dias. Diante da evidente fraqueza da economia, até no mercado financeiro analistas começaram a admitir a ideia de se chegar ao fim do ano sem nenhum corte de gasto. Para o governo, será um alívio abandonar o assunto neste ano. Mas a economia pouco ganhará com isso, por causa da baixa qualidade da gastança federal.
E no próximo ano? Em 2014 haverá eleição. Mais prático será deixar o assunto para depois.
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Déficit de clareza
CELSO MING
O Estado de S.Paulo, 23 de julho de 2013
Em entrevista ao Estadão deste domingo, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, advertiu que a política fiscal (receitas e despesas do governo) "não é clara".
As decisões de ontem anunciadas pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostram um esforço destinado a aumentar a transparência das contas públicas.
No entanto, o desempenho da política fiscal continua despertando dúvidas, mesmo depois de anunciada e reafirmada a resposta da presidente Dilma às manifestações, constituída de cinco pactos, o primeiro deles o compromisso com um pacto de responsabilidade fiscal.
O governo Dilma comprometera-se em lei, a observar neste ano um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 3,1% do PIB ou de R$ 155,9 bilhões, com redução prevista de R$ 65, 2 bilhões. Como os resultados apontavam grande distância de objetivo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comprometeu-se, em junho, a cumprir meta de superávit primário equivalente a 2,3% do PIB.
Ontem, esse número foi formalmente mantido, mas pressupõe o crescimento econômico (PIB) para este ano de 3,0%, projeção irrealista diante do fraco desempenho da economia.
Essa variável é crucial. Um PIB mais raquítico implica arrecadação mais baixa. Assim, até mesmo os números revistos e atualizados não são integralmente confiáveis. O ministro Mantega alega que não pode rever para baixo as projeções do PIB "como se muda de roupa". No entanto, ele mesmo já não vinha sustentando essa projeção, admitindo que, em 2013, a economia apenas crescerá mais do que os 0,9% do ano passado.
Mas, se é assim, a revisão das contas públicas ontem divulgada continua apresentando déficit de clareza.
A arrecadação da União obtida em junho, ontem divulgada pela Receita Federal, foi decepcionante. Uma vez descontada a inflação do período, a evolução da receita do mês sobre junho do ano passado foi negativa (-0,99%) e em relação a maio, também (-2,73%). No primeiro semestre, a evolução foi positiva, mas pouco expressiva (+0,49%). Veja o Confira.
Diante da forte reação da opinião pública aos métodos heterodoxos aplicados sobre o resultado fiscal do ano passado, quando o secretário do Tesouro, Arno Augustin, submeteu os cálculos a critérios espúrios, o governo não parece disposto a repetir as mesmas arbitrariedades contábeis.
No entanto, já se sabe que boa parte dos resultados deste ano só será obtida com receitas atípicas e de qualidade discutível. Será constituída tanto de bônus de assinatura previstos com leilões de concessão agendados para este segundo semestre quanto de dividendos pagos por estatais à custa de injeções do Tesouro que, por sua vez, implicam aumento da dívida pública. Além disso, cortes de despesa de apenas R$ 10 bilhões parecem insuficientes para a obtenção do objetivo desejado. Enfim, a robustez das contas públicas apontada pela presidente Dilma - mas não confirmada pelo Banco Central - não apresenta a necessária firmeza.
Em vez de tentar resgatar a credibilidade para sua política, o governo está mais focado em ganhar tempo com o objetivo aparente de salvar a candidatura da presidente Dilma a um segundo mandato.