Como sempre costumamos dizer, o trabalho da cidadania é ininterrupto. Não só o trabalho de fiscalizar os gastos públicos, mas também sobre o que andam fazendo os parlamentares eleitos que, volta e meia, demonstram não ter entendido o que as manifestações nas ruas significaram.
Um desses, inclusive, é emblemático: o polêmico senador Fernando Collor. Hoje, o senador é presidente da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado e, por conta disso, tem sido um crítico regular do sistema de controle externo do Tribunal de Contas da União. Quem já o assistiu discursar raivosamente em plenário sabe que o senador elegeu essa importante instituição de Estado como sua inimiga número um.
Pois agora o senador Collor resolveu partir para a ação e apresentou dois projetos de lei que atingem diretamente a autonomia das decisões do TCU e de seus servidores auditores de controle. O primeiro vincula a suspensão de uma obra à necessidade de aval do Congresso. Atualmente, após a recomendação feita por um auditor de carreira, o ministro responsável pela fiscalização pode embargar o empreendimento até que as correções necessárias sejam feitas. Ao se jogar uma decisão dessas para o Congresso, uma decisão eminentemente técnica passa a ser política, ao sabor da composição parlamentar do momento. Ou seja, se a obra for de algum aliado político da bancada majoritária, por exemplo, ela dificilmente será interrompida, mesmo com sinais claros de problemas.
A outra proposta do senador vai contra os próprios auditores. Trata-se de uma emenda ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, que ainda está em análise na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. A sugestão inclui a punição criminal, cível e administrativa para auditores de tribunal pelo “exercício irregular” na fiscalização de obras e por danos ao erário, “inclusive aqueles decorrentes da paralisação ou atraso” das construções. Uma verdadeira “mordaça” aos auditores de controle externo, bem ao estilo daquela que o deputado Malufpretendia impor ao Ministério Público.
Para diversas organizações da sociedade civil, com essas duas propostas, o trabalho do TCU estaria inviabilizado, o que tornaria a luta contra a corrupção ainda mais complicada. Com a presença significativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a associação de servidores do Legislativo e do TCU (Sindilegis), a União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar), a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) e a Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon), dentre outras, realizaram esta semana um ato de protesto em Brasília.
Para Lucieni Pereira, auditora e presidente da ANTC, “o senador Collor parece não ouvir o clamor dos cidadãos, que inclusive voltam às ruas para reivindicar medidas efetivas contra a corrupção e manifestar repúdio aos projetos que visam enfraquecer a atuação do controle, como foi o caso da PEC 37”. Já Leonel Munhoz, presidente da Auditar, é mais enfático. Para ele, o objetivo das propostas é mesmo dificultar a fiscalização: “Em tese, a intenção é não paralisar uma obra em que haja irregularidades, com desvio de recursos públicos ou superfaturamentos”.
Para uma democracia sólida, é preciso que tenhamos instituições de Estado igualmente sólidas, além de autônomas e livres do jogo e das ameaças de cunho eminentemente político. Principalmente no caso das instituições de Estado dedicadas à gestão, controle e fiscalização, como o TCU e os demais tribunais de contas, a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público, a Advocacia-Geral da União, a Receita Federal, o Banco Central, as defensorias públicas e outras.
Não tenham dúvida: qualquer movimento que redunde no enfraquecimento, no aparelhamento político ou na desvalorização dessas organizações é um grande desserviço a uma cidadania que ainda está começando o seu caminho no país.
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