Diplomacia e Relações Internacionais
Contra-homenagem aos anonimos (verdadeiros e falsos)
De vez em quando aparece por aqui algum anônimo comentarista, que pretende liquidar com duas ou três afirmações peremptórias, geralmente ligeiras, superficiais e inúteis, alguma frustração acumulada ao longo de uma carreira mal-sucedida de escritor ou uma outra jamais alcançada de diplomata.
Essas pessoas pretendem se fazer ouvir, e ficam contentes quando eu admito aqui duas ou três bobagens que escreveram, geralmente negativas para com minha atividade, depreciativas de minha escrita ou enraivecidas com minhas posições políticas (em geral anarquistas, reconheço, ou melhor, libertárias, absolutamente independentes e autônomas de qualquer poder ou autoridade).
Eu nem deveria prestar atenção nesse tipo de erva daninha, e simplesmente deletar os comentários maldosos.
Mas mesmo os anônimos maldosos prestam um serviço: eles sempre me dão a oportunidade de novas reflexões; por isso, devo agradecer sinceramente a eles, mesmo se eles o fizeram com outras intenções e de forma totalmente involuntária.
Enfim, tendo recebido mais uma inutilidade deste tipo, creio que seria oportuno, para deixar esses leitores amargos ainda mais frustrados, republicar um antigo texto dedicado especialmente a eles, que aparecem em diferentes categorias: os bons, os maus e os feios.
Minúsculo Tratado sobre o AnonimatoPaulo Roberto de Almeida
Há muito tempo pretendia escrever um mini-tratado sobre o anonimato, mais uma peça de relativa inutilidade substantiva, apenas para me distrair e para fazer companhia a meus outros mini-tratados (um primeiro sobre as reticências, outro sobre as entrelinhas, um terceiro sobre as interrogações, e um adicional, que aliás não sei se já foi terminado, sobre as exclamações). Não se inquietem os curiosos, pois tenho vários outros no pipeline, ou pelo menos nos meus circuitos mentais, e a coleção deve ser enriquecida com algum besteirol gratificante, cuja única função, pelo menos para mim, é servir a meu próprio divertissement intelectual.
Raramente escrevo textos para contentar ou servir alguém, e jamais escrevo algo com o qual não estou de acordo, o que não quer dizer que eu também não possa me divertir com essas pequenas distrações de um cotidiano mais sério. Sempre me divirto fazendo esse tipo de coisa, pois tudo é motivo para uma digressão a mais na extensa cadeia das minhas escrevinhações.
Pois o mini-tratado pretendido sobre o anonimato se deve obviamente ao fato que recebo incontáveis mensagens anônimas em meus blogs, algumas simpáticas, outras questionáveis (para usar um termo neutro), outras francamente dispensáveis. Se não destoar muito do espírito dos blogs, acabo publicando, mesmo quando se trata de crítica ou discordância em relação ao que escrevi. Um blog tem essa função, precisamente, oferecer um espaço para a livre expressão do pensamento.
Infelizmente, alguns comentários anônimos são extremamente curtos, e a gente fica sem saber o que pretendia exatamente o seu autor. Como, por exemplo, um sintético Anônimo que deixou um comentário sobre esta minha postagem:
sexta-feira, 12 de março de 2010
1779) A pedagogia freireana: nossa contribuicao ao atraso do mundo...
Cito: “Oferecemos ao mundo um PRA, com seu arsenal de inutilidades e pensamentos levianos!”
Como se vê, nada de muito esclarecedor ou útil a um debate importante sobre o tema desse post, que se referia ao papel deletério desse ícone da idiotice pedagógica que é o equivocadamente cultuado Paulo Freire, o representante máximo de nosso atraso educacional.
Mas entendo que o Anônimo em questão nunca teve a intenção de comentar de fato a substância da postagem e, sim, a de criticar o “postador”, no caso eu mesmo, com o que ele se desvia dos meus critérios requeridos para incorporação de comentários, ou seja, de que eles sejam pertinentes e tragam alguma contribuição para o distinto público leitor, se ouso me expressar assim.
Segundo esse Anônimo eu trago ao mundo um arsenal de inutilidades e pensamentos levianos. Curioso que ele se dê ao trabalho de me ler, o que revela um espírito crítico pelo menos deficiente, posto que se ocupando de bobagens e inutilidades. Esse Anônimo faria melhor em ocupar o seu tempo com coisa mais inteligente, em lugar de ficar aqui procurando sarna para coçar sabe-se lá que parte de seu corpo indolente, já que ele parece incapaz de expressar de modo mais claro ou completo o seu pensamento (se é o caso de usar este substantivo...)..
Em todo caso, eu gostaria de agradecer a este Anônimo comentarista, pois ele me oferece a oportunidade de antecipar ao meu previsto mini-tratado sobre o Anonimato, redigindo este minúsculo texto sobre esse tema, que ocupa, digamos assim, quase metade do volume de comentários em meus posts.
Certos comentaristas em meus blogs estão de fato interessados nos temas, e colocam observações inteligentes, correções a meus pontos de vista, complementos à informação em questão, enfim, fazem aquilo que se espera de um comentarista. Muitos, provavelmente mais da metade, são anônimos, o que pode querer dizer várias coisas: se trata de pessoas ocupando cargos na burocracia do Vaticano onde também trabalho, enfim, uma Santa Casa carente de liberdades democráticas mais amplas, posto que as pessoas evitam – e são induzidas a evitar – comentários abertos sobre seu objeto de trabalho, seu ganha-pão tradicional por temor de alguma retaliação indevida (e autoritária, como sempre acontece); outros querem justamente ter a liberdade de participar de um debate sem ter a necessidade de revelar sua identidade, para se sentirem mais livres, leves e soltos na expressão de seu pensamento real, que por vezes é puramente especulativo, ou até contrário ao que normalmente se espera de um profissional de sua condição pública; outros, ainda, querem justamente atacar meus posts ou meus argumentos – o que também é legítimo –, sem precisar se explicar sobre as razões de seus gestos; e existem também aqueles que comparecem com certo despeito, talvez até mesmo alguma raiva, pela liberdade que eu me concedo de ficar escrevendo tanta coisa – muita bobagem, reconheço – sem pedir permissão a nenhuma dessas autoridades que supostamente nos governam (e imagino que eles também sejam colegas de infortúnio intelectual...).
Existem alguns que o fazem por timidez, outros por covardia, outros ainda que atuam por maledicência, ou espírito ranzinza, gente frustrada que talvez gostasse de fazer o que eu faço e que se julga então no dever de me atacar – mesmo de forma tão superficial e incompreensível como o post de comentário negativo acima transcrito – para talvez compensar alguma frustração qualquer.
Enfim, existem anônimos de todos os tipos, inclusive aqueles que mesmo assim são flamenguistas ou corintianos, ou que não abandonam crenças ultrapassadas, há muito tempo na lata de lixo da história, como diria um ilustre marxista.
Pois bem, quero dizer a todos esses anônimos que freqüentam meus espaços de interação que eu os estou “observando”, se ouso dizer, para tirar minhas conclusões sobre sua atividade interessante, e sem dúvida enriquecedora dos meus blogs. Gostaria de lhes prometer que, assim que eu conseguir algum tempo livre, vou escrever meu “mini-tratado sobre o anonimato” en bonne et due forme, as appropriate, como diriam franceses e britânicos. Vai chegar o dia, não se inquietem. Por enquanto fiquem apenas com este minúsculo ensaio sobre um dos assuntos mais sérios do chamado cyberspace, o que permite (quase) todas as transgressões e liberdades.
Aliás, já está na hora de alguém propor uma associação de Anônimos Anônimos, ou seja, gente que se reúne sem revelar a identidade, apenas para discutir, cripticamente se for o caso, as diversas facetas de uma profissão florescente, uma atividade que requer certa coragem para sair do anonimato anônimo para se lançar no anonimato público. Enfim, anônimos anônimos, uni-vos, pois vocês não tem nada a perder, a não ser a vergonha de ser um membro dessa imensa confraria.
Meu mini-tratado virá, mesmo sob risco de algum outro Anônimo classificar minhas iniciativas como um arsenal de inutilidades. Não se pode contentar todos ao mesmo tempo.
Abraços Anônimos, se ouso dizer...
Brasília, 19 de março de 2010.
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