Diplomacia e Relações Internacionais
Contorcionismos diplomaticos, inclusive verbais...
Diplomacia de Dilma errou
Sérgio Malbergier
Folha de S.Paulo, 21/10/2011 -
As cenas de júbilo popular na Líbia e no planeta com a morte brutal de Muammar Gaddafi deixam claro o erro do governo brasileiro ao se opor à coalizão de EUA, França, Otan e países árabes contra o sanguinário ditador.
A base da oposição brasileira à bem-sucedida ação internacional foi uma suposta defesa da população civil da Líbia. É verdade que nunca se sabe como uma guerra termina. Mas, objetivamente, vendo como esta acabou, a ação da coalizão internacional pode até virar benchmark de intervenção multilateral com apoio da população local.
Enquanto o presidente dos EUA, Barack Obama, e líderes europeus celebram e colhem frutos da intervenção que derrubou um dos ditadores mais sanguinários e ensandecidos do mundo, a presidente Dilma, que lutou contra a ditadura brasileira, faz malabarismos retóricos para tentar sustentar a insustentável posição de não apoiar a justa causa da queda do ditador.
"O fato de ela (a Líbia) estar em um processo democrático é algo que todo mundo deve --eu não acho que comemorar é a palavra-- apoiar e incentivar. De fato o que nós queremos é que os países tenham essa capacidade de viver em paz e democracia", disse a presidenta em Angola.
Os líbios discordam, e saíram às ruas ontem felizes para comemorar a liberdade.
Os novos dirigentes líbios serão certamente muito mais simpáticos aos governos e empresas dos EUA, da França, do Reino Unido e de outros países aliados do que do Brasil. E a Líbia é um país não só rico em petróleo, mas estratégico como ponte entre a África subsaariana e o mundo árabe.
O Brasil nesta semana mesmo elaborou mais sua posição na Líbia e, pior, projetou-a como bandeira de nossa diplomacia. "Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger", disse Dilma num exercício de retórica incompreensível, durante encontro de cúpula do Ibas (Brasil, Índia e África do Sul) em Pretória.
O Brasil segue insistindo que está do lado das revoltas árabes por liberdade e democracia, que a defesa da democracia e os direitos humanos norteiam a diplomacia nacional. Mas ninguém na Líbia ou na Síria, na frente dessas lutas, acredita nisso, muito menos organizações de defesa dos direitos humanos globais.
O que parece cada vez mais claro é que sob Dilma temos o prosseguimento do mofado e extemporâneo terceiro-mundismo antiamericano, herdado inercialmente do governo Lula, já que o governo da presidenta ainda não formulou políticas próprias consistentes na área externa.
A suposta bandeira dilmista da defesa dos direitos humanos e da democracia no mundo não fica em pé diante dos fatos, da posição omissa do Brasil nas revoltas árabes.
E enquanto afaga ditadores, nossa política externa está sempre pronta a alfinetar as potências ocidentais, com as quais dividimos valores democráticos, culturais e econômicos.
O chanceler Antonio Patriota, por exemplo, ao escrever artigo nesta Folha para explicar a "nova" política externa brasileira de suposta defesa dos direitos humanos aproveitou para dar uma pancada em Washington, acusando os EUA de terem minimizado a defesa dos direitos individuais na Carta da ONU por temer "questionamentos à segregação racial ainda vigente no país". Verdade ou não, um chanceler criticar um país aliado assim gratuitamente referindo-se a fatos enterrados há meio século não é nada diplomático.
Faz sentido o Brasil colocar-se como potência do Sul e aliar-se a países como Índia, África do Sul e outros emergentes emergidos para reivindicar uma nova ordem mundial, com um novo Conselho de Segurança, um novo FMI e um novo Banco Mundial menos dominados pelas antigas potências.
Mas faria mais sentido ainda se o Brasil chacoalhasse esse complexo de vira-lata e se visse também como membro do clube das democracias liberais ocidentais, com quem dividimos tanta coisa.
Nossas queixas contra a política cambial chinesa, por exemplo, que dizima indústrias brasileiras e americanas, são exatamente as mesmas queixas feitas pelos EUA, e uma aliança Brasília-Washington nesse contencioso poderia pressionar muito mais os chineses.
Enquanto isso, começa a funcionar o acordo de livre comércio Colômbia-EUA, que pode prejudicar ainda mais nossas exportações ao maior mercado do mundo já que os produtos e empresas colombianas terão vantagem diante dos brasileiros no acesso aos EUA.
Mas nossos dirigentes preferem sempre distância dos americanos, como adolescentes que buscam afirmação.
O Brasil tem tudo para ser a melhor ponte entre o hemisfério Norte e o Sul. Será um papel específico, digno de nossa excepcionalidade, já que dividimos valores e anseios com as duas metades do globo. Mas para isso será preciso abandonar posturas (e assessores) fossilizados. O que no nosso caso pode ser mais difícil que um camelo passar pelo buraco da agulha.
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha.com às quintas.
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