Diplomacia e Relações Internacionais
Brasil-Bolivia: novela burocratica e aparencia de negociacoes - entrevista Eduardo Saboia
Coragem do diplomata, dando entrevista sem autorização do Itamaraty, o que apenas agrava o seu caso, junto à burocracia, e engrandece sua dignidade, aos olhos da sociedade.
Paulo Roberto de Almeida
Negociações com Bolívia sobre senador eram "faz de conta", diz diplomata brasileiro
Por ISABEL FLECK
Folha de S. Paulo, 26/08/2013
O encarregado de negócios da embaixada brasileira em La Paz, Eduardo Saboia, que trouxe o senador boliviano Roger Pinto Molina ao Brasil sem o aval do Itamaraty, disse que as negociações entre os dois países para resolver a situação do político eram um "faz de conta".
"Tenho os e-mails das pessoas [diplomatas brasileiros] dizendo 'olha, a gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita'", disse Saboia à Folha, por telefone.
Segundo ele, diante da inação da comissão bilateral que "mal conseguia se reunir", e de uma "situação limite", ele decidiu agir sozinho.
"Eu disse [ao Itamaraty]: 'se tiver uma situação limite, eu vou ter que tomar uma decisão'. E eu tomei porque havia um risco iminente. Ele [o senador] estava com um papo de suicídio", disse o diplomata. "Era sexta-feira, estava chegando o fim de semana, quando a embaixada sempre fica mais vazia. Aí veio o advogado com o laudo médico me dizer [que ele poderia se matar] e eu disse: vou fazer agora."
Molina estava asilado há 15 meses na embaixada e não podia sair porque o governo boliviano se recusava em conceder o salvo-conduto. Ele deixou o país com o diplomata e dois fuzileiros na última sexta-feira.
Folha - O senhor agiu completamente sozinho? O Itamaraty não participou mesmo da sua decisão de trazer o senador?
Eduardo Saboia - O que aconteceu foi o seguinte: eu vinha avisando [o Itamaraty] da situação, que estava em franca deterioração e que a gente tinha que pensar em contingências. Contingência seria levar ele para a residência, para uma clínica na Bolívia, para o Brasil.
Eu vim a Brasília duas vezes para dizer: 'olha, a situação está ruim, eu estou sob pressão'. Eu era um a espécie de agente penitenciário. Tudo o que acontecia com o senador, eles me ligavam: "pode entrar bebida? O senador está com dor de barriga, pode entrar um médico?" Eu vivia isso há 452 dias. Agora essas coisas se precipitaram e eu não sou médico, nem psiquiatra, mas diante de um risco iminente, uma situação limite, tomei essa decisão.
Folha - O plano de retirá-lo de carro já era cogitado pelo Itamaraty para ser aplicado em algum momento?
Veja bem: nós, da embaixada, mandamos muitas comunicações sugerindo várias formas de ação. A única coisa que existia [até agora] era um grupo de trabalho do qual a embaixada não faz parte. Nós éramos apenas informados.
Eu convivia diariamente com uma situação humanitária. É uma coisa que é muito difícil de explicar, mas você imagina ir todo dia para o seu trabalho e você tem uma pessoa trancada num quartinho do lado, que não sai. E você que impede ela de receber visitas, a família liga no aniversário a família liga. Aí vem o advogado e diz que se ele se matar é você que é o responsável.
Foi uma situação extrema. Eu estava no campo de batalha, eu estava no fogo cruzado. Eu já tinha inclusive pedido para sair. Falei: "está muita pressão, eu preciso de uma orientação mais clara, eu preciso de um horizonte".
Folha - Qual era a resposta do Itamaraty?
Falavam que era questão de tempo. Daí eu perguntava da comissão, e as pessoas me diziam: "olha, aqui é empurrar com a barriga".
Ninguém me disse isso por telegrama, eles não são bobos. Mas eu tenho os emails das pessoas, dizendo "olha, a gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita".
Óbvio que isso aí abalava o senador, ele sabia disso, porque isso aí está na cara. A comissão não tinha um prazo para terminar, mal conseguiam se reunir. Era um faz de conta.
Não estavam levando a sério e a embaixada era mantida à margem disso.
Folha - Como você viu esse risco de suicídio?
Eu disse [ao Itamaraty]: "olha, nessa coisa humanitária, eu não vou tergiversar. Se tiver uma situação limite, eu vou ter que tomar uma decisão". E eu tomei essa decisão porque havia um risco iminente. E ele [o senador] estava com um papo de suicídio. Aí podem dizer: "Ah, é uma manipulação". Pode ser, mas é preciso correr esse risco?
Era sexta-feira, estava chegando o fim de semana, quando a embaixada sempre fica mais vazia. Aí veio o advogado com o laudo médico me dizer [que ele poderia se matar] e eu disse: vou fazer agora. Eu não avisei o Itamaraty por uma questão simples: segurança. Eu não avisei ninguém. E funcionou, deu certo.
Folha - Como você acha que vai impactar a sua decisão para o governo brasileiro?
Foi uma decisão que tem uma motivação humanitária, mas, na prática, resolve um problema político. Veja bem: para o Itamaraty, como a Bolívia não daria salvo-conduto e o Brasil disse que queria o salvo-conduto e as garantias, nós estávamos num beco sem saída. Só tendia a piorar. Com um agravante de que estamos chegando perto de períodos eleitorais, a situação se radicaliza [nos dois países], a situação se radicaliza e fica muito mais difícil resolver problemas.
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