Diplomacia e Relações Internacionais
Brasil: politica comercial autista (O Globo)
O autismo da política de comércio exterior
Editorial O Globo, 26/02/2013
Consta que a política externa de viés terceiro-mundista seguida pelo governo Lula teria sido uma contrapartida à militância petista pela acertada adoção de uma terapia clássica, monetária e fiscal, para manter a estabilização da economia. No campo comercial, o terceiro-mundismo se materializou na rejeição radical à proposta americana da Alca (Aliança de Livre Comércio das Américas) e aposta cega na Rodada de Doha, de liberalização do comércio mundial.
O Brasil perdeu a aposta - com a contribuição dos "aliados estratégicos" Argentina, China e Índia -, e precisaria compensar o tempo perdido, pelo fato de o mundo ter acelerado a assinatura de acordos comerciais bilaterais.
Mas tampouco fez isso. Ficou paralisado pelo vírus do terceiro-mundismo, refém da crise política e institucional da Argentina, cada vez mais protecionista contra as exportações brasileiras, e deixou-se levar pela onda de chavinização do Mercosul. Tudo conspira a favor da paralisia da diplomacia comercial, engessada pelo viés ideológico anacrônico do "diálogo Sul-Sul", algo que, no início do governo Dilma, parecia ser exorcizado. Ilusão, pois esta política externa se mostra tão forte quanto nos primeiros tempos de Lula.
É emblemático que a presidente Dilma tenha voado para Malabo, capital da Guiné Equatorial, típica ditadura africana, onde transcorreu a 3ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da América do Sul-África (ASA). Se Lula conviveu sem problemas com o "irmão" Kadafi e Mobuto, literalmente dono do Zaire, Dilma aparece ao lado de Teodoro Obiang, cujo filho, Teodorin, abandonou às pressas o carnaval baiano, depois de ter a prisão decretada pela Justiça francesa, devido à lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos de outros países.
Enquanto isso, Estados Unidos e União Europeia (UE), responsáveis por um terço das trocas comerciais no planeta, decidem acelerar as negociações para a assinatura de um acordo transatlântico. A produção somada das duas partes representa 47% do PIB mundial.
Dilma, na viagem, ressaltou que o comércio entre a América do Sul e a África, em 2011, de US$ 39 bilhões, representou um crescimento de 447% em dez anos. Mas por que não explorar também os maiores mercados do mundo, como o americano? Se o acordo dos EUA com a UE for assinado, será um razoável baque para o Brasil, que tem uma pauta de exportação agropecuária concorrente da americana. Fechado o acordo, o Brasil perderá muito espaço na UE. E nenhum dólar africano compensará o prejuízo.
Ao lado disso, outro bloco recém-formado no continente, a Aliança do Pacífico (Chile, México, Peru, Colômbia) tende a se fortalecer por ter uma postura nada ideológica, flexível. Sendo que o México já faz parte do Nafta, com americanos e canadenses. Impressiona a passividade da diplomacia comercial brasileira. Deve enxergar uma realidade própria, só vista por ela.
Brasil Econômico - Brasil sem bloco: falta empenho nos acordos comerciais / Artigo /Marcos Troyjo
Diretor do BricLab da Columbia University e professor do Ibmec
No momento em que dezenas de chefes de Estado da União Europeia e da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) se reuniam em Santiago em janeiro último, também voltávamos olhos para a capital chilena os estrategistas de Washington. Dali a poucas semanas o Presidente Barack Obama revelaria, em seu discurso ‘State of the Union’, que os EUA e a Europa estão em conversações para constituírem uma área de livre comércio até 2015. Para os EUA, interessa a consolidação da UE como bloco. Washington atribui grande importância à manutenção da configuração comunitária — incluindo o Reino Unido. Um eventual desmantelamento precipitado pela crise de dívidas soberanas nos países na franja mediterrânea como Grécia e Portugal atrapalha seus objetivos geoestratégicos, sobretudo neste instante em que sua economia parece recuperar-se e a área de livre comércio em que estão inseridos, a NAFTA, é dos poucos arranjos regionais que opera sem problemas. Os EUA acompanham de perto a movimentação da América Latina como “Comunidade”, já que seus membros encontram-se em diferentes velocidades — Colômbia, Peru, Chile e México decolam e se reorganizam em nova área de livre comércio entre si, com diálogo aberto com os EUA. Argentina, Brasil e Venezuela se isolam e patinam. O Brasil tem dedicado pouco empenho a acordos comerciais bilaterais, e na geometria bloco-a-bloco, é igualmente difícil ressuscitar o diálogo concreto UE-Mercosul.
De um lado, temos a União Europeia ainda atolada em sua própria areia movediça fiscal e o crescimento estagnado. De outro, hoje o Mercosul está mais mais para um “clube de empatias ideológicas” do que um bloco que se movimenta de acordo com objetivos pragmáticos de comércio e investimento. É claro também que no comércio agrícola, onde os europeus continuam campeões mundiais de protecionismo, mais acesso a mercados seria bem-vindo. No entanto, com a voracidade da demanda chinesa por exportações latino-americanas de commodities agrícolas e minerais, este tema não tem a mesma premência de 10 anos atrás. Hoje, num nível mais amplo há uma “deseuropeização” dos focos prioritários da América Latina. A boa saúde recente dos fundamentos econômicos latino-americanos e o magnetismo exercido pela China têm contribuído a essa fase mais deseuropeizada. Da ótica específica do Brasil, temos a maior economia da região, mas isso não se deve por sermos um paradigma de competitividade. Praticamos elevadas barreiras tarifárias a importações, fortalecimento das megacorporações de economia mista que atuam em commodities agrícolas e minerais, política industrial defensiva. Temos recebido fluxos volumosos de IEDs sobretudo porque o mercado brasileiro, bastante protegido, acena a empresas globais com margens de retorno muito superiores à média dos mercados da OCDE. Se o Brasil flexibilizasse suas exigências de conteúdo local, sobretudo em áreas relacionadas a infraestrutura, transportes e logística, inauguraria uma fase “qualitativamente nova” como destino de investimentos europeus — e esta poderia ser a plataforma para um novo diálogo comercial com Europa e também EUA.
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