O governo federal divulgou ontem a peça de ficção que tem-se repetido: o Orçamento-Geral da União. É ficção não porque contenha erros de avaliação, tanto de arrecadação quanto de despesa, mas porque trabalha propositalmente com variáveis destituídas de senso de realismo.
Lá estão previstos para 2014 um avanço do PIB de 4,0%; uma inflação de 5,0%; e uma cotação do dólar (taxa de câmbio) de R$ 2,19. Qualquer administrador de patrimônio que precisa trabalhar com parâmetros macroeconômicos confiáveis sabe que esses números não têm consistência.
Não muda as coisas quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, adverte, como ontem fez, que "esses números não devem ser tomados como previsões porque o governo não pode adivinhar" e, por isso, começa de alguma base para depois ir ajustando. Mas, se eles são inconsistentes, que valor podem ter? O governo não quer apontar suas verdadeiras estimativas provavelmente porque ainda imagina que é melhor esbanjar otimismo, para talvez com isso influenciar o estado de espírito dos formadores de opinião. Infelizmente, o resultado vai na direção oposta.
As projeções com que lidam cerca de 100 consultorias, departamentos econômicos de empresas e bancos auscultados semanalmente pelo Banco Central para a Pesquisa Focus, são bem diferentes: crescimento econômico de 2,9%, inflação de 5,8% e cotação do dólar (em fim de 2014) de R$ 2,35.
Desde 2011 é a mesma coisa: o ministro Mantega começa projetando o avanço do PIB em 4,0% ou 4,5% e termina entregando uma fração disso. Foi de 0,9% em 2012 e o próprio Mantega já não espera mais de 2,5% em 2013.
Como de tantas outras vezes, também agora o ministro condiciona o bom desempenho da atividade econômica brasileira à melhora do cenário mundial. No entanto, as principais limitações estão aqui dentro: distorções na economia, rombo progressivo nas contas externas, inflação alta, investimento baixo, mercado de trabalho aquecido demais, altos custos de produção e um desânimo crônico, que é, ao mesmo tempo, resultado e causa de tudo isso.
Para dar alguma racionalidade a uma inflação em 2014 de apenas 5,0% (acima da meta de 4,5%, mas, ainda assim, abaixo de todas as projeções que estão por aí), o governo se compromete a deixar uma sobra de arrecadação para pagamento da dívida (superávit primário) equivalente a 2,1% do PIB. Mas 2014 é um ano de eleições. Se a administração das contas públicas não passa confiança em anos comuns, como acreditar que em 2014 seja tudo diferente?
Mais uma vez, vai sobrar para o Banco Central a tarefa de segurar a inflação hoje pressionada pela esticada do câmbio e pelo represamento dos preços administrados, especialmente o das tarifas dos combustíveis.
Se repetir nas duas próximas reuniões do Copom (outubro e novembro) a mesma dose de alta dos juros básicos (Selic) definida quarta-feira, ainda neste ano poderemos ter de volta os dois dígitos (de 10% para cima), até agora tabu no governo Dilma. E, mesmo se a opção for por um último ajuste na Selic (no ano) de apenas 0,25 ponto porcentual, os dois dígitos podem perfeitamente acontecer de janeiro em diante, principalmente se o Banco Central continuar perseguindo a convergência da inflação à meta.