Diplomacia e Relações Internacionais
Barao: os dois carnavais de 1912
http://revistadehistoria.com.br/secao/reportagem/folia-em-dose-dupla
Folia em dose dupla
A morte do Barão do Rio Branco, há exatos 100 anos, deixou a população consternada - mas também eufórica com dois carnavais: um em fevereiro e outro em abril
Alexandre Leitão e Alice Melo
Revista de História da BN, 17/2/2012
· Com a morte do Barão / Tivemos dois carnavá / Ai que bom, ai que gostoso! / Se morresse o marechá. A marchinha, cantada por foliões em pleno Sábado de Aleluia, sintetizava a estranha situação vivida na cidade do Rio de Janeiro em 1912: um carnaval em dose dupla. O motivo era simples – e trágico: dois meses antes, mais precisamente no dia 10 de fevereiro, o Barão do Rio Branco morreu na então capital da República, provocando a consternação da população local, que imediatamente fechou as portas do comércio e paralisou suas atividades para acompanhar os ritos fúnebres do herói nacional [saiba mais sobre o patrono da diplomacia brasileira na edição deste mês da RHBN, em artigo escrito por Rubens Ricupero].
O presidente Hermes da Fonseca, pouco querido pelo povo, decretou luto oficial na cidade, adiando o carnaval daquele ano – que seria na semana seguinte à fatalidade – para o dia 6 de abril. Mas o decreto do “marechá” não deu muito certo: mesmo respirando o ar da tragédia a população foi às ruas curtir a folia na data normal. E, também, dois meses depois.
“Até a época de Vargas, o carnaval não tinha muita participação do governo. Então, quando o presidente Hermes da Fonseca cancelou o carnaval de fevereiro, não fez muita diferença e a festa aconteceu assim mesmo”, conta Luigi Bonafé, historiador do IBGE e professor do curso Atlas, especializado em preparar futuros diplomatas. “Naquela época, o carnaval de rua era financiado por organizações que lucravam com cassinos e jogos de azar”, completa. Ou seja, não havia muito como impedir a soberana vontade do povo de cair na folia.
O salvador da pátria
José Maria da Silva Paranhos Júnior era muito popular. Conhecido pelo título de barão do Rio Branco, “Juca” era avaliado pela imprensa, pela elite política e por grande parte da população brasileira como o mais alto defensor da paz. Era, ainda, o ministro mais respeitado de todos os governos republicanos desde 1902, data em que recebeu a nomeação para o Ministério das Relações Exteriores. Responsável pelo traçado moderno da fronteira brasileira, ele conseguira com o Tratado de Petrópolis (1903) negociar a obtenção do Acre pelo Brasil, isso em pleno ciclo da borracha.
Anos antes, resolvera a questão de Palmas com a Argentina, assegurando a fronteira de Santa Catarina e do Paraná, eliminando assim um dos mais intensos focos de tensão entre os dois países, que viviam numa atmosfera de quase-guerra. Ganhara da França, por meio de arbitragem internacional, a posse do Amapá e solidificava cada vez mais sua imagem de patriota e grande negociador. Tanto que seu nome fora aventado para concorrer em 1910, tendo ele próprio recusado a oferta.
Por tudo isso, sua morte causou uma comoção generalizada. O funeral do Barão do Rio Branco foi um dos prestigiados da Primeira República (com direito a marchinha fúnebre), e seu nome batizou a Avenida Central do Rio de Janeiro e também a capital do Acre.
O Brasil daquela época
É problemático afirmar que Hermes da Fonseca era um presidente-eleito popular. Apesar dessa imagem ser propagada até hoje, a eleição de 1910 será para sempre marcada como uma das mais polarizadas da História do Brasil. Rui Barbosa, a Águia de Haia, considerado então um dos bastiões da República, lançou-se à candidatura presidencial liderando uma campanha que, pela primeira vez, visaria o voto das classes médias e dos setores urbanos em geral. Logo, foi considerado uma ameaça, o que fez várias oligarquias estaduais apoiarem a candidatura militar de Hermes da Fonseca, marechal e sobrinho de nosso primeiro presidente.
Imediatamente após sua posse, resultado de um pleito que, como todos os demais da Primeira República, fora marcado por fraudes, Hermes teve de encarar a eclosão da Revolta da Chibata. Traindo a palavra dada aos marinheiros amotinados, de que estes receberiam a anistia, o presidente começa a expulsar um a um os marujos que se rebelaram contra a utilização de maus-tratos na corporação. Pouco depois seria declarado o estado de sítio em todo o território nacional, ocorrendo as “salvações”, a derrubada sistemática dos governos estaduais do Norte e do Nordeste, acompanhada pela imposição de interventores responsáveis por perseguir toda oposição a seu mando. No âmbito dos escândalos políticos, ressaltavam-se os atrasos das obras de construção da estrada de Ferro Madeira-Mamoré, iniciadas no distante ano de 1907, e ainda inconclusas em fevereiro de 1912.
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