Diplomacia e Relações Internacionais
Balanços de Final de Ano: um exercício interminável - Paulo Roberto de Almeida
Balanços de Final de Ano: um exercício interminável
Paulo Roberto de Almeida
Pretendo, neste que deve ser o último trabalho do ano de 2011, tecer, em primeiro lugar, algumas considerações sobre o que consegui realizar no ano que agora se conclui; alinhar, em seguida e ainda que brevemente – pois a lista é muito longa – os trabalhos que tencionava fazer em seu decurso – e que podem representar alguma frustração ou sentimento de carência em vista do que deveria ter feito; por fim, relacionar alguns dos trabalhos que pretenderia empreender (e de preferência terminar) ao longo de 2012.
Começo, no entanto, corrigindo de imediato o subtítulo deste trabalho: nenhum exercício acadêmico – desses a que me obrigo voluntariamente desde que me conheço como pessoa razoavelmente dedicada aos estudos, à reflexão e à escrita – é propriamente interminável, mesmo um simples balanço como este aqui. Uma avaliação deste tipo termina quando já não temos mais o que listar como realizações, ou quando já não temos mais capacidade de pensar, de formular esquemas tentativos e de realizar projetos que nos aparecem como relevantes. Não creio que o sentimento de finalização pertença ao “universo” que eu frequento, sequer no domínio do imaginário: estou sempre pensando em fazer três ou quatro trabalhos ao mesmo tempo, lendo três ou quatro livros ao mesmo tempo, e planejando iniciar outros, na fila, tão pronto possível. (Já calculei, aliás, que necessitaria, por cima, de mais ou menos 150 anos adicionais para começar e terminar de ler tudo o que tenho em mente, à vista, tudo o que está disponível nas bibliotecas.)
Desse meu modesto ponto de vista, tenho sido particularmente feliz em meus empreendimentos de caráter acadêmico, os quais, aliás, realizo à margem de qualquer obrigação propriamente acadêmica, alheio a qualquer finalidade prática e à margem de qualquer atividade profissional em que possa estar funcionalmente engajado. Balanços de final de ano podem até ser “termináveis”, no sentido em que nos atemos, simbolicamente, a um calendário gregoriano que regula outras atividades sociais – a própria vida acadêmica no Brasil, o orçamento fiscal, a declaração de imposto de renda, etc. –, mas é claro que o fluxo da produção intelectual – se ele é verdadeiramente livre, como no meu caso – não conhece interrupções, nem sofre de restrições mentais ou meros impedimentos materiais: podemos até estar limitados ao ciclo circadiano das horas, mas eu costumo mesmo trabalhar fora do alcance da luz do dia, na calada da noite, e isto por semanas a fio e independentemente das estações do ano, das condições e do local de trabalho.
No que se refere especificamente a balanços restritos ao ano calendário, é claro que estamos pensando naquilo que conseguimos realizar ao longo do ano – e que pode constituir motivo de justo orgulho para nós, no caso para mim – (sem esquecer as bobagens que cometemos) e já projetando as maravilhas que faremos no ano que logo começa. Acho que sou assim, embora seja mais crítico do que o normal em relação ao que já fiz – e estou sempre tentando encontrar erros e omissões nos trabalhos recém terminados, ainda mais quando acabam de ser publicados – sempre sou irremediavelmente otimista quanto ao que vou conseguir fazer no futuro imediato, projetando mais trabalhos do que é humanamente possível terminar em prazos razoáveis.
Enfim, e para terminar esta já longa introdução, sou um pouquinho exigente (comigo mesmo, e com os outros também) e um tantinho perfeccionista no que se refere à forma e ao conteúdo dos meus trabalhos, o que às vezes representa motivos de angústia, para mim e para meus editores, já que estou sempre querendo corrigir, completar, ampliar trabalhos entregues, deixá-los atualizados até o último minuto da conferência e dos eventos correntes. Mania doentia, talvez, mas que me mantém permanentemente ligado às fontes de informação – elas são milhares hoje em dia, com essas maquinetas tipo iPad, iPhone, laptops, sempre conectados – e às últimas análises dos especialistas mais reconhecidos em cada área (e elas são muitas, também). Não sei se conseguirei me livrar dessa “obsessão”, mas se for como a mania dos livros, trata-se de uma loucura talvez sadia (a gentle madness, como já a chamou um desses maníacos por livros e leituras).
O que fiz de útil, ao longo de 2012?
No plano estritamente contábil, alguns números talvez sirvam para impressionar os incautos, os improdutivos ou preguiçosos: comecei o ano pelo trabalho número 2.234 e consegui alcançar o número 2.348, o que perfaz, portanto, numa perspectiva puramente quantitativa, um total de 114 trabalhos, ou seja, 9,5 trabalhos por mês, ou um trabalho a cada 3 dias, aproximadamente. Esse tipo de contabilidade não leva em conta, porém, as dimensões de cada trabalho, e elas são as mais variadas possíveis. Existem tanto os esquemas ou comentários de uma ou duas páginas, como livros inteiros, com quase 400 páginas (embora elaborados parcialmente ao longo de vários meses, ou como resultado de revisão de trabalhos anteriores). O total de páginas escritas elevou-se a 1.397, ou seja, quase 1.400 páginas, das quais talvez se devesse amputar 400 páginas, aproximadamente, que correspondem ao livro Relações Internacionais e Política Externa do Brasil (LTC), já que grande parte do seu conteúdo foi sendo elaborada parcialmente ao longo dos meses precedentes, e muitas vezes já foi contabilizada previamente em algum momento. Em qualquer hipótese, 1.000 páginas redigidas representam 83 páginas por mês (mais de 116 na alternativa maximalista), ou quase três páginas por dia, contando sábados, domingos e feriados. Uau!: eu deveria receber por página, não sob a forma de salário mensal...
Isto quer dizer que estou o tempo todo escrevendo, rabiscando, completando coisas que tinha deixado parado por certo tempo. Sim, e isto é importante esclarecer: quando eu me refiro à contabilidade dos trabalhos, estou mencionando apenas os trabalhos completos, ou seja, aqueles nos quais coloquei um ponto final, numerei e incluí na lista de trabalhos originais – tem uma outra, apenas dos publicados, cronologicamente, também – e não a tudo o que eu escrevi, rabisquei, esquematizei, mas não completei. Impossível calcular o número de páginas, pois existem textos incompletos em dezenas de pastas identificadas apenas pelo nome genérico de algum trabalho que pretendo completar algum dia (às vezes isso pode demorar anos, na melhor das hipóteses, meses). Em outros termos, o volume de papel sujo – maneira de dizer – é, portanto, muito maior, e daria para completar uma volta à terra, se alinhadas as páginas uma a uma, para repetir um slogan velho e sem graça (enfim, quem souber essa medida, pode multiplicar meu número de páginas pelos centímetros do formato A4, e ver até onde eu “voaria”). Enfim, para terminar com esta contabilidade maluca, caberia dizer que cada trabalho tem, em média, 9 páginas, mas a variação entre eles é muito grande.
Por fim, apenas para completar essas estatísticas chatas, tampouco estou considerando tudo o que escrevi, como posts, introdução a postagens de trabalhos de terceiros e comentários meus, diretamente num dos meus blogs de trabalho e de divertimento, sem mencionar correspondência eletrônica, centenas de mensagens, algumas das quais representando algum tipo de elaboração intelectual. Ufa!. Chega! Mas, não sem antes tecer algumas breves considerações sobre os trabalhos produzidos, no plano agora mais qualitativo do que quantitativo.
Percorrendo agora a lista de trabalhos completados e assinados – será que tem algum clandestino?, ou esquecido? – constato o seguinte. A produção mais significativa foi, obviamente, o livro mencionado anteriormente, que deveria ser uma simples terceira edição de minha primeira obra de relações internacionais, mas que terminou sendo um livro inteiramente revisto e reformulado, com cerca de um terço de aproveitamento de ensaios anteriores (mas todos revistos e atualizados), e muita coisa nova, que foi sendo elaborada ao longo dos meses precedentes, sob a forma de artigos, palestras, aulas, reflexões isoladas sobre obras alheias e temas do momento.
Mas antes de completar esse livro, que só teve versão definitiva no segundo semestre, comecei o ano com um trabalho em Francês sobre a historiografia econômica brasileira (ainda não publicado na França, ao que eu saiba), depois feito também em versão revista em Português; continuei (depois de vários pequenos trabalhos de caráter mais conjuntural, ou de oportunidade) com uma análise de nossa patética oposição política (publicado na mesma revista em que figurou um muito discutido ensaio de FHC sobre a mesma oposição, no qual ele tinha uma fatídica frase sobre o “povão”). Também continuei a escrever sobre os antiglobalizadores inconsequentes, a despeito de já ter fechado um livro sobre esses malucos no ano anterior (mas publicado também em 2011).
Dois dos trabalhos mais importantes que fiz em 2011, representando considerável esforço analítico e alguma pesquisa quanto aos dados e argumentos a serem desenvolvidos, foram sobre o Mercosul, o primeiro uma reconsideração há muito tempo refletida sobre se o Mercosul poderia ser reversível (ou modificável, de alguma forma), o segundo um amplo painel histórico sobre seu desenvolvimento, que renderam, ambos, pequenos “filhotes” sob a forma de pequenas notas parciais organizadas em torno de suas distintas partes. No momento em que escrevo este balanço, estou tentando, justamente, terminar um terceiro trabalho sobre o Mercosul, de caráter prospectivo, que no entanto será terminado apenas nos primeiros dias de 2012.
Também continuei minha série de “clássicos revisitados” – na qual já figuram um Manifesto Comunista, Maquiavel e Tocqueville atualizados para o Brasil e algumas outras pequenas imitações – elaborando um “Sun Tzu para diplomatas” (atenção, não é a “arte da guerra” para diplomatas), bem como várias peças de minha série de “minitratados”, sempre com motivos mais para a comédia do que para o drama (embora devesse considerar esse aspecto, também, algum dia); em todo caso, elaborei considerações mais ou menos bem humoradas sobre a imaginação, a reencarnação, as improbabilidades, os desencontros, os reencontros, as corporações de ofícios, o inusitado, as inutilidades burocráticas e, finalmente, sobre as dedicatórias; ficou faltando um minitratado sobre a subserviência e um outro sobre as consequências involuntárias, já pensados, ou parcialmente escritos, mas ainda não terminados. Como sempre aceito sugestões quanto a novos temas de minitratados, tanto quanto para novas “falácias acadêmicas”, de cuja série só compus um único exemplar em 2011, sobre o modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil (certamente por falta de tempo, pois justificativas para examinar o manancial de falácias que emerge de nossas universidades não faltam, ao contrário).
Elaborei diversos trabalhos sobre a política externa brasileira, sobre as políticas públicas em geral (vários deles diretamente no blog, depois ampliados de maneira mais reflexiva) e alguns capítulos de livros (ainda não publicados). Sim, também terminei um outro livro, de introdução ao tema da integração regional, que me deu bastante prazer ao selecionar os temas que desenvolvi, embora também uma grande angústia, já que o livro tem perfil paradidático e foi limitado em suas dimensões, o que me obrigou a ser sintético e um tanto quanto elementar em certas discussões. Deve ser publicado em 2012, espero.
Coloquei-me no lugar de certos personagens políticos, escrevendo discursos inusitados, e que eles jamais pronunciarão – mas bem que deveriam, pois o mundo, as pessoas, e o Brasil, seriam melhores e mais felizes se eles se pautassem pela minha “ajuda”. Comecei a psicografar as “memórias” do Barão do Rio Branco, o que me lembra que preciso terminar um trabalho mais sério sobre sua diplomacia econômica, para um grande seminário que ocorrerá em 2012, no quadro das comemorações oficiais dos cem anos de sua morte, ocorrida em fevereiro de 1912.
Também comentei diversos eventos correntes e fatos da atualidade – como, por exemplo, o impacto dos wikileaks para as relações internacionais – e atendi a inúmeros convites para comentar problemas correntes. Dei entrevistas, fiz pequenas e grandes resenhas de livros (inclusive para revistas estrangeiras) e apresentei livros e fiz prefácios; também dei parecer sobre artigos submetidos (recusando vários), sobre teses e ajudei em alguns projetos (oralmente e por escrito; mas isso não conta, salvo um ou outro exemplo).
O que deixei de fazer, no decorrer de 2011?
Inúmeras coisas, a começar pelo segundo volume de minha projetada trilogia sobre a diplomacia econômica brasileira, que deve cobrir o período da República Velha e da era Vargas (1889-1945), em função do qual já coletei muito material, mas ainda não encontrei lazer, tempo e disposição para sentar e escrever (inclusive porque sou dispersivo, aceito muitos convites, e acabo me distraindo com bobagens infantis); espero poder avançar um pouco nesse empreendimento verdadeiramente ambicioso, em 2011. Também não avancei nada na confecção de um “dicionário” de diplomacia brasileira, o que pode parecer uma tarefa por demais grandiosa para um homem só, mas não para mim. Em todo caso, também preciso terminar um “dicionário de disparates diplomáticos”, que já está praticamente pronto há vários anos, bastando apenas começar a revisar e atualizar alguns verbetes, e acrescentar mais algumas doses de humor...
Tinha planejado terminar um trabalho já começado sobre propostas programáticas para o movimento de oposição ao poder atual no Brasil, um outro sobre políticas do Estado brasileiro que são, objetivamente, contra os interesses do Brasil, além de algumas falácias e mais algumas peças para a série dos minitratados já referidos. Newsletter e think tanksestão sempre me pedindo artigos dirigidos ou de livre temática, o que acaba me distraindo dos trabalhos mais sérios, nos quais deveria me concentrar. Deixei de fazer dezenas de outras coisas, mas não me lembro agora: talvez devesse fazer uma terceira lista de trabalhos, uma de textos iniciados, mas ainda não terminados (o que me facultaria agora listar tudo o que deixei de fazer). Também deixei de ler dezenas de livros, que ficam se acumulando em todos os cantos da casa, esperando que algum dia, de 48 horas e nenhum sono, se apresente com uma agenda aberta, totalmente livre e descansada, ao longo do qual (dos quais, seria melhor) eu poderia fazer tudo isso que eu deixei de fazer e que pode estar me causando alguma “síndrome do trabalho inconcluso”.
O que eu pretenderia fazer, em 2012?
Uau! A lista é grande, começando por tudo aquilo que está sumariamente descrito acima e que deixei de fazer em 2011. Mas, não sei a quantas andará minha produtividade na escrita, talvez menos intensa, já que de certa forma ambulante, pelo menos no primeiro semestre. Como estou assumindo o posto de professor convidado do Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine, da Universidade de Paris-3 (Sorbonne), no segundo semestre do ano acadêmico que começou em setembro último (portanto, de janeiro a maio de 2012), vou ter de dedicar algum tempo à preparação, em Francês, de dois cursos (já esquematizados), em nível de mestrado, sobre política externa brasileira e as relações econômicas internacionais do Brasil. Também pretendo viajar bastante, pela França e pela Europa, enquanto estiver residindo em Paris, o que promete diminuir mais um pouco a produtividade na elaboração de trabalhos de maior fôlego (ou necessitando pesquisa documental e elaboração discursiva mais sofisticada).
Em todo caso, preciso fazer dois trabalhos de qualidade no primeiro semestre: o que se destina a “comemorar” a morte do Barão, e um grande ensaio sobre o estado da arte em matéria de explicações sobre o (não) desenvolvimento da América Latina, para um colóquio que se realizará no IHEAL, em maio (e do qual sou o conferencista principal). Serão dois grandes desafios, que pretendo empreender dentro em breve. Existem também outros congressos e seminários acadêmicos de que pretendo participar, e que também exigem a apresentação de trabalhos escritos, e certamente receberei convites para artigos de revistas, resenhas de livros, capítulos de obras coletivas e uma confusão de outras coisas que vão pingando ao longo do ano, ao sabor dos intercâmbios diretos ou por internet, o que promete acelerar-se tremendamente. Não tenho ilusão, assim, de que conseguirei “limpar” as centenas e centenas de mensagens não lidas de minha caixa de entrada, justamente porque a maioria são boletins e material de referência, que vou guardando (ou deixando ali depositado) “para ler um dia” que nunca chega, claro).
Será que um dia eu vou dar conta de tudo o que eu gostaria de fazer, de ler, de produzir intelectualmente, sem continuar a arranhar a superfície das coisas, como muitas vezes faço, ao atender demandas sempre mais intensas? Provavelmente não, mas em algum momento vou ter de parar de escrever tanto para ler mais... O diabo é que quanto mais leio, mais me dá vontade de escrever, já que meus escritos sempre são alguma forma de síntese crítica, e criativa, de leituras feitas, comparadas, resumidas e discutidas.
Quando é que vou ter tempo para não fazer nada, ficar deitado na rede (à sombra, obviamente), cochilando, acordando para tomar algum refresco saudável, consultando as notícias no iPad, respondendo mensagens no mesmo instrumento, ouvindo alguma música no iPod ou no iPhone, pegando distraidamente algum romance histórico ao alcance da mão, enfim, fazendo um monte de coisa ao mesmo tempo, e por isso mesmo sem ter tempo para não fazer nada? Acho que esse dia, esse tempo nunca vai chegar, e por isso mesmo eu me consolo registrando esses balanços feitos de muita contabilidade, alguma frustração por “deveres” não feitos, e muitas promessas e projetos para os tempos que ainda veem pela frente. Nada melhor, de fato, do que ocupar o seu tempo com várias coisas ao mesmo tempo.
Dizem que o ócio é o pai de todos os vícios. Olhando por esse prisma, eu sou uma pessoa de muitas virtudes. Oxalá...
Brasília, 31 dezembro 2011, 8 p.; 2348.
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