Diplomacia e Relações Internacionais
Ativismo estatal: mais recente artigo publicado - Paulo R Almeida
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O ativismo econômico estatal: quais os seus custos e benefícios?Paulo Roberto de Almeida, especial para o iG
Portal de Economia do iG, 27/07/2010 17:10
Atualmente os Estados ostentam políticas públicas para todos e cada um dos setores da vida moderna que é possível imaginar
Governos, ou melhor, políticos nos governos, adoram se mostrar prestativos, atentos em relação aos desejos dos eleitores, extremamente cuidadosos com a segurança e o patrimônio dos cidadãos, ciosos na criação de empregos, na distribuição de renda, enfim, sempre dispostos a oferecer a todos os cidadãos aquilo mesmo que todos os políticos prometem: estímulos ao crescimento, melhores empregos, aumento da renda e promoção do desenvolvimento social. A tudo isso, alguns ainda acrescentam, com motivação essencialmente demagógica: “com preservação da soberania nacional”. Claro, ainda está para nascer o político que, consciente dos benefícios de maior abertura e inserção internacional, vai ter a coragem de proclamar: “vamos internacionalizar o país, abri-lo à globalização, acolher de braços abertos o capital estrangeiro”... Enfim, sigamos adiante, pois nosso assunto é outro.
Todas essas boas promessas exigem, na visão dos mesmos políticos, um Estado atuante. No limite, um Estado interventor no campo econômico e regulador da ação dos agentes privados; na hipótese mais benigna, apenas um Estado indutor e promotor de condições favoráveis ao crescimento pela via do investimento particular e da acumulação de riqueza pela própria sociedade. A maior parte dos governos fica no meio do caminho entre essas duas opções: nem cuidam eles mesmos da produção e da oferta de bens e serviços, que podem ser fornecidos em melhores condições pelo setor privado, nem se abstêm de intervir naquilo que consideram necessário, segundo as concepções dos próprios políticos ou dos altos burocratas do governo Eles o fazem, alegadamente, para atender às demandas dos cidadãos (que, por coincidência, são eleitores também).
Talvez para desespero dos extremadamente liberais, ou daquela tribo especial de libertários conhecidos como anarco-capitalistas, vou defender a tese de que políticas ativas por parte do Estado são, sim, necessárias – aliás, mais do que necessárias, elas são inevitáveis, num sentido até de fatalidade – em sociedades como as nossas, hiper-burocratizadas e complexas demais para que o exército de políticos que nos governam e o enxame de tecnocratas que os servem deixem de propor medidas geniais para melhorar a nossa vida e, supostamente, para resolver os problemas existentes. Esses problemas, diga-se de passagem, foram, em grande medida, criados por medidas adotadas anteriormente pelos mesmos políticos e burocratas que estão sempre dispostos a fazer o bem com o dinheiro dos outros.
Em Estados normalmente organizados, funcionando de maneira transparente e atendendo às regras básicas da democracia, essas políticas públicas geralmente funcionam, embora nem sempre produzam os resultados desejados ou esperados, por uma razão muito simples: os agentes privados, farejando o que vem pela frente, exibem essa incrível tendência a se antecipar a efeitos considerados inevitáveis (em seu detrimento, claro) dessas mesmas políticas, adotando então disposições que contornam ou neutralizam as políticas ativas dos governos. A justificativa sempre adotada pelos governos ativistas é a de que as políticas aumentam a eficiência do sistema econômico, produzem bem-estar coletivo e reduzem externalidades negativas.
Talvez isso ocorra, o que caberia ainda aferir de maneira independente. Mas o custo para a sociedade sempre é muito alto, já que, sem produzir um só centavo de riqueza, os governos simplesmente retiram da sociedade os recursos de que necessitam para implementar essas políticas, com um pedágio – ou seja, o custo da intermediação burocrática – que pode ir de 10% (nos Estados mais enxutos) a mais de 25% dos valores envolvidos naqueles países mais desorganizados (como alguns perto de nós). Sempre é assim, e a tendência das burocracias estatais – de todas as burocracias, inclusive a dos organismos internacionais – é passar a gastar cada vez mais em projetos e programas definidos pelos próprios estamentos burocráticos e seus mentores políticos. A esperança da cidadania consciente é de que o Estado não gaste muito consigo mesmo e que, ao contrário, utilize os recursos, justamente, para fins de investimentos, que ou são projetos básicos – geralmente infra-estrutura – ou são políticas setoriais, as tais políticas ativas que recebem a aprovação de nove entre dez políticos profissionais e de dez entre dez burocratas estatais.
Se esta é uma realidade dos Estados modernos, como fazer a diferença entre as políticas absolutamente necessárias – as que justificariam a “extorsão tributária” contra o nosso bolso – e aquelas que poderiam ser deixadas à auto-regulação da sociedade? Até mesmo um liberal clássico como Adam Smith reconhecia funções governativas que deveriam ser suportadas pela coletividade por meio de impostos: essas áreas eram as de defesa, justiça, determinadas obras de infra-estrutura (portos, estradas) e algumas poucas mais. Em sua época, os governos pouco se ocupavam da saúde e da educação da população, temas que eram deixados aos cuidados das próprias famílias; como tampouco existiam seguros previdenciários, esquemas para o desemprego e acidentes de trabalho, exigências que foram crescendo com a urbanização e a construção da cidadania, ou seja, a incorporação de estratos menos privilegiados nas esferas de decisão e de representação política.
Atualmente os Estados ostentam políticas públicas para todo e cada um dos setores da vida moderna que é possível imaginar, existindo até a pretensão de cuidar do cidadão do berço à cova, como se parece ocorrer nos países escandinavos. Mas não apenas neles, posto que mesmo em Estados menos desenvolvidos, como no Brasil, existe essa ideia de que o Estado precisa ‘prover’ os menos contemplados com todos os serviços de que venha a necessitar: nascem, assim, os programas habitacionais, de primeiro emprego, de apoio à cultura, de inclusão digital, auxílio maternidade, auxílio funeral e, obviamente, as transferências diretas de dinheiro para os mais necessitados. Essas políticas de renda não são, ao contrário do que se acredita, as mais custosas de todas, embora envolvam considerável burocracia e se prestem a doses inevitáveis de fraudes e malversações.
As mais custosas costumam ser as políticas setoriais que contemplam as duas grandes áreas de atividade econômica: políticas industriais e agrícolas. São conhecidas as políticas agrícolas ultra-subvencionistas e altamente protecionistas praticadas em grande número de países desenvolvidos, destacando-se, nesse setor, a União Europeia, que consome metade do orçamento comunitário com pagamentos diretos e indiretos aos produtores super-protegidos dos países membros. Estima-se que os europeus poderiam reduzir o valor de sua cesta de compras alimentar à metade do que pagam nas feiras e supermercados se o setor agrícola fosse liberalizado.
No caso do Brasil, são igualmente conhecidas as pretensões industrializantes de todos os governos sucessivos à Revolução de 1930, criando um dos mais extensos e generosos sistemas de apoio à indústria nacional. Surgido nos anos 1950, o BNDES converteu-se numa das mais poderosas máquinas de transferência de renda de todos os cidadãos para um punhado de industriais privilegiados, no que é apenas um dos mecanismos mais deletérios de concentração de renda e de deformação do mercado de capitais num país em desenvolvimento.
É uma fatalidade de nossos sistemas pretensamente democráticos – em grande medida plutocráticos ou oligárquicos – que os setores mais privilegiados da sociedade lutem e ganhem as ‘suas’ políticas setoriais: empréstimos subsidiados para capitalistas e empreendedores ‘merecedores’; subvenções à produção e à comercialização de produtos do setor primário – especialmente custosos nos países mais ricos; isenções diversas para setores considerados “estratégicos”, o que nada mais representa do que dar dinheiro a quem já é rico. As justificativas, como sempre, são as usuais: é preciso garantir a “segurança alimentar”, não se pode “desindustrializar” o país e se deve, absolutamente, “investir” nas tecnologias que vão garantir o “futuro” da economia. Também em outras áreas o dinheiro público escorre pelo ralo: universitários costumam ter lobbies mais eficientes na capital do que estudantes do primário, daí a concentração de recursos na mesma elite que depois vai galgar os postos de melhores salários na administração pública, e se aposentar com 100% da renda da ativa.
Em síntese, políticas ativas funcionam sim, apenas não se pode ter certeza de que o dinheiro nelas “investido” não teria sido mais bem empregado se fosse deixado com os próprios particulares para que estes operem as suas escolhas de bens e serviços de que necessitam dispor ao longo da vida, inclusive para a aposentadoria. O Estado benfeitor está se convertendo num grande baby-sitter que cuida carinhosamente dos seus filhos; deve-se registrar, apenas, que a taxa de serviço retira cada vez mais renda dos bolsos dos próprios interessados. Pode-se não gostar da perspectiva, mas este é o nosso horizonte de vida. Estarei sendo muito pessimista?
Paulo Roberto de Almeida é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Diplomata de carreira desde 1977, exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior. Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Autor de vários trabalhos sobre relações internacionais e política externa do Brasil.
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