As FARC e o governo do Brasil: afinidades (des)eletivas?
Diplomacia e Relações Internacionais

As FARC e o governo do Brasil: afinidades (des)eletivas?


De: Raúl Reyes Para: Lula
Rodrigo Rangel
Revista Época, 30/05/2008 - 18:23 - Atualizado em 02/07/2008 - 16:57

ÉPOCA revela a história das cartas que o líder das Farc, morto em março, escreveu para o presidente brasileiro
MEIO DE CAMPO
O líder das Farc Raúl Reyes sugeriu que o então vereador do PT em Guarulhos Édson Antônio Albertão fosse a ponte entre a guerrilha e o presidente Lula

Os contatos de integrantes do governo Lula e de militantes do PT com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, a organização que trava uma guerra interna contra o governo eleito do presidente Álvaro Uribe, sempre foram cercados de muito mistério. Até histórias de supostas doações de dinheiro das Farc para a campanha presidencial de Lula em 2002 – extraídas de papéis da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas jamais provadas – foram divulgadas. Até meados dos anos 90, as Farc participaram oficialmente do Foro de São Paulo, um conclave de partidos e organizações de esquerda da América Latina do qual o PT faz parte. Mas as relações com as Farc, segundo o PT, foram rompidas depois que elas abandonaram, a partir de 2002, as negociações para um acordo de paz na Colômbia e enveredaram de vez no caminho dos seqüestros e do narcotráfico. O governo Lula diz jamais ter tido qualquer tipo de contato com a organização, classificada como terrorista pelos governos da Colômbia, dos Estados Unidos e da União Européia.

ÉPOCA teve acesso agora, com exclusividade, a um lote de três cartas que mostram como as Farc tentaram oficialmente estabelecer relações com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo depois de sua eleição, em 2002, e em seu primeiro ano de mandato no Palácio do Planalto, em 2003. As correspondências foram enviadas por Raúl Reyes, o líder das Farc morto em março deste ano, durante um ataque das Forças Armadas da Colômbia a um acampamento da guerrilha no norte do Equador. Elas tinham como destinatário o presidente Lula. O portador das cartas no trajeto da Colômbia até o Brasil foi Édson Antônio Albertão, um vereador de Guarulhos que estava na ocasião no PT e hoje está no P-SOL. Albertão, além de freqüentar os acampamentos das Farc, era amigo pessoal de Reyes e recebeu dele a incumbência de trazer as cartas para Lula em julho de 2003 – data da última delas.

Reyes, por meio de outros portadores, já havia tentado enviar ao presidente Lula duas das três cartas trazidas por Albertão ao Brasil. A primeira delas é datada de 28 de novembro de 2002, cerca de um mês depois s da vitória de Lula no segundo turno da eleição disputada contra José Serra, então candidato do PSDB ao Palácio do Planalto. Nessa correspondência, Reyes saúda Lula pela eleição e tenta obter apoio para sua política de ataques ao presidente da Colômbia, Álvaro Uribe. “Consideramos oportuno informar-lhe que o governo paramilitar ilegítimo de Álvaro Uribe Vélez cumpre sem reparos todas as exigências do governo de (George W.) Bush sem que ninguém o pressione, e o faz por convicção e porque está plenamente identificado com as políticas do império estado-unidense”, escreveu Reyes. Na carta, o líder das Farc relaciona a aliança dos governos Uribe e George W. Bush a uma suposta “geoestratégia norte-americana em nossa extensa e rica região amazônica”.

A segunda carta é de 20 de março de 2003. Nela, Reyes trata da presença das Farc na zona de fronteira entre Colômbia e Brasil. “Queremos aproveitar para ratificar, junto ao senhor, oficialmente, a política de fronteiras das FARC-EP: nossa organização tem profundo respeito pelos povos e governos vizinhos da Colômbia. Por essas razões, nossas unidades não intervêm em assuntos internos de seus países, nem estão autorizadas para executar operações militares fora das fronteiras da Colômbia”, escreveu Reyes. A afirmação sobre o que o ex-chefe guerrilheiro chama de política fronteiriça das Farc precede um oferecimento, que pode ser interpretado também como um pedido tácito a Lula para que a fronteira do Brasil com a Colômbia pudesse ser uma zona livre para a guerrilha: “Em troca, trabalhamos entusiasmados para fazer das fronteiras verdadeiros remansos de irmandade, concórdia e paz com nossos vizinhos, no marco de boas relações políticas de benefício recíproco”. Até recentemente, as Farc atuavam em áreas ermas e despovoadas da Floresta Amazônica, muito próximas da fronteira entre Colômbia e Brasil.

Matéria da Veja, Encontro de dinossauros



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