Argentina blinda ativos para evitar arresto pelos credores
Por Fabio Murakawa | De São Paulo
Enfrentando processo nos EUA, o governo argentino adotou nos últimos anos uma série de medidas preventivas para dificultar o arresto de seus ativos no exterior, disseram advogados e economistas ouvidos pelo Valor. Isso está ligado ao calote dado pelo país em 2001, que desaguou no imbróglio envolvendo os "holdout" - os fundos que conseguiram bloquear na Justiça americana o pagamento dos credores que aceitaram a restruturação da dívida do país.
Uma sentença proferida pelo juiz Thomas Griesa em 2013, e contra qual Buenos Aires recorreu sem sucesso à Suprema Corte americana, deixou aberta a porta para que os "holdout" embargarem ativos do Estado argentino no exterior. Mas, segundo fontes, o governo montou uma blindagem para evitar que isso ocorra.
Todas as reservas do Banco Central do país, por exemplo, se encontram no BIS, em Basileia, considerado o BC dos BCs, o que torna praticamente impossível qualquer interferência nesses ativos, diz o advogado Marcelo Etchebarne, que foi assessor do banco UBS durante o processo de reestruturação da dívida do país. Além disso, o pagamento aos detentores dos títulos da dívida emitidos hoje pelo país são feitos na Argentina. Assim, uma medida judicial poderia impedir o pagamento a credores no exterior, mas não embargá-lo.
Os ativos do Anses, que é o fundo estatal de pensão, também estão inteiramente na Argentina. O fundo, de 400 bilhões de pesos (cerca de US$ 50 bilhões no câmbio oficial), livrou-se totalmente de ativos no exterior depois que Anses teve uma conta no Citibank congelada nos Estados Unidos, também a pedido dos "holdout". O juiz que proferiu a sentença à época também foi Griesa, o mesmo que determinou que o país não pode continuar pagando os que aceitaram a reestruturação sem pagar os "holdout".
"Há muitas medidas como essas, e o resultado está à vista. Os 'holdout' precisaram recorrer ao bloqueio de pagamento de credores reestruturados a fim de coagir a Argentina, mas não conseguiram embargar nenhum ativo", afirma Etchebarne.
Além disso, as ações da Aerolineas Argentinas, maior empresa de aviação do país, estatizada em 2008, ainda não estariam registradas em nome do Estado. Uma alternativa seria tentar o embargo de aeronaves da companhia. Mas a maioria delas opera por meio de contratos de leasing.
O jornal argentino "La Nación" disse na semana passada que as ações que a Anses possui em cerca de 30 empresas listadas em bolsa também poderiam ser objeto de arresto. Assim como as ações que o governo possui na petrolífera YPF, listadas na bolsa de Nova York.
"A Argentina está bem blindada, mas ainda há ativos embargáveis", diz Lorenzo Sigaut, economista-chefe da consultoria portenha Ecolatina. "De qualquer maneira, não vejo isso acontecer. [A possibilidade de embargo] é uma ferramenta a mais para pressionar o governo."
Etchebarne lembra outra famosa história de embargo de bem argentino no exterior: a retenção da fragata Libertad em Gana, em 2012, a pedido dos "fundos abutre", alcunha dada aos "holdout" por Buenos Aires. O navio-escola da Marinha argentina ficou retido no país africano entre 8 de outubro e 19 de dezembro daquele ano. O Tribunal Internacional do Direito do Mar deu ganho de causa a Buenos Aires, mas o episódio rendeu uma grande dor de cabeça e uma péssima exposição internacional ao governo argentino.