A Aliança do Pacífico e os rumos da América Latina: desafios de integração, relações especiais com os Estados Unidos e aproximação com a Ásia., por Bruno Hendler Boletim Mundorama 29 Jun 2013 05:00 AM PDT Passados dois anos da criação da Aliança do Pacífico (AP), muito ainda precisa ser feito no tocante à integração de seus países membros, Chile, Peru, Colômbia e México. Porém, a convergência entre eles tem sido responsável por atrair a atenção de especialistas sobre os rumos da América Latina. Encabeçada por países que possuem relações especiais com os Estados Unidos e que têm sido governados por partidos de direita ou da chamada “Nova Esquerda” (BRESSER-PEREIRA, 2000), a iniciativa surge como um contraponto, planejado ou não, ao MERCOSUL e à Aliança Bolivariana das Américas (ALBA). A maré de crescimento econômico dos países da AP gera euforia entre os críticos mais mordazes da politização do MERCOSUL, que relacionam “o fracasso” do bloco liderado pelo Brasil com “o sucesso da Aliança do Pacífico” (SETTI, 2013). Porém, dois anos é um prazo deveras curto para atribuir sucesso a qualquer iniciativa de integração regional – pode-se afirmar, no máximo, que se está diante de uma ideia promissora. A AP surge em um contexto de ascensão econômica da Ásia, recuperação econômica dos EUA pós-crise de 2008/2009 e crise institucional do MERCOSUL. Se a Venezuela é o motor da ALBA (75% do PIB do bloco) e o Brasil o motor do MERCOSUL (80% do PIB) respectivamente, a AP não tende a gravitar em torno de uma única economia, ainda que o México seja responsável por 60% do PIB do bloco. Isso decorre não apenas da menor assimetria econômica entre os membros, mas principalmente do escopo liberal de integração e da não contiguidade territorial entre os países. Ademais, há um maior equilíbrio entre os membros deste bloco, ou seja, o menor PIB da AP (Peru) responde por cerca de 10% do total, enquanto os menores PIBs do MERCOSUL (Paraguai) e da ALBA (Dominica) não passam de cerca de 1% do total. Segundo Felipe Bulnes, Embaixador do Chile nos EUA, e Harold W. Forsyth, Embaixador do Peru nos EUA [1], a proximidade entre os quatro países decorre mais de afinidades políticas e princípios compartilhados do que da integração econômica propriamente dita. Dado o pouco tempo de existência do bloco, é natural que o estreitamento de laços comerciais, financeiros e de circulação de pessoas não esteja consolidado. Enquanto o comércio intrabloco do MERCOSUL já chegou a 25% (em 1998) e hoje está em torno de 15%, o comércio entre os membros da AP é ainda muito baixo. Porém, uma série de iniciativas ambiciosas pretende reduzir as distâncias que os separam. As principais são (ETONIRU, 2013): - Liberalização do comércio intrabloco. Em janeiro de 2013 os países membro concordaram em eliminar barreiras tarifárias para 90% das mercadorias que circulam dentro da AP. - Circulação de pessoas. Com vistas a promover o turismo, a circulação de empresários e o intercâmbio de estudantes, planeja-se eliminar a necessidade de vistos para estadia de até 180 dias entre os quatro países, além da criação de 100 bolsas de estudo anuais para as universidades dos países membros. - Integração de mercados financeiros. Desde maio de 2011 os três membros sul americanos (Chile, Peru e Colômbia) combinaram seus mercados financeiros em uma bolsa de valores, o Mercado Integrado Latino-Americano (MILA), visando facilitar e incrementar os investimentos estrangeiros. Ainda que o MILA tenha surgido fora do âmbito da AP, a possibilidade de adesão do México tem sido influenciada diretamente pela criação do bloco. Outro fator é a relação especial com os EUA, seja em termos de comércio ou de segurança. Antes mesmo da criação do bloco, os quatro países já haviam celebrado acordos de livre comércio com os EUA. Os impactos desses acordos são variados mas, em geral, facilitam a entrada de investimentos e estreitam as relações comerciais com a economia norte-americana. Na esfera da segurança, México e Colômbia são aliados tradicionais dos norte-americanos no combate ao narcotráfico e, ao longo das últimas duas décadas, passaram a receber treinamento, assessoria, material e, no caso da Colômbia, bases militares. O “Plano Colômbia”, por exemplo, adquiriu, com o financiamento dos norte-americanos, um viés militarista e policial, deixando de lado o caráter socioeconômico e dando margem a casos de desrespeito aos direitos humanos por grupos paramilitares como as Autodefensas Unidas de Colombia (AUC) (RIPPEL, 2004, p. 3-4). De forma similar, o fluxo migratório de mexicanos para os EUA passou a ser tratado como questão de segurança, sem considerar que muitos emigrantes e traficantes optam por esses caminhos em decorrência da falência e da perda de competitividade da agropecuária mexicana após a adesão do país, sem fundos compensatórios, ao NAFTA (PETRAS, 2009). Se as relações bilaterais com os EUA são fortes, o mesmo ainda não se pode dizer da relação em bloco com este país. Embora a AP se encaixe na estratégia norte-americana de se aproximar de governos de direita e de centro na América Latina, a última reunião de cúpula do grupo, em maio de 2013 na cidade de Cali, teve a ausência de representantes dos EUA na condição de observadores – status ocupado por países como Espanha, Austrália, Japão, Canadá, Nova Zelândia e Uruguai, além de Estados postulantes a adesão como Costa Rica, Panamá e Guatemala. De todo modo, a América Latina continua (e continuará) sendo uma região de nítida predominância militar dos EUA. Porém, assim como na Ásia Oriental, no Oriente Médio e na África, o papel desempenhado pela China, tanto em termos econômicos quanto em termos de capital político, tende a crescer. Em outras palavras, a AP pode ser útil aos EUA como contraponto à ALBA e ao MERCOSUL, mas também pode tornar-se o canal de aproximação da China com a América Latina – e a localização geográfica dos membros da AP, bem como as declarações oficiais de seus líderes, favorece essa possibilidade. A aproximação com a Ásia, e mais especificamente com a China, está no discurso e nos números da AP. Para o Embaixador da Colômbia nos EUA, Carlos Urrutia, o bloco não é apenas um “acordo de livre comércio”, mas um processo dinâmico que busca profunda integração regional e inserção internacional, especialmente com a Ásia-Pacífico[2]. Embora ainda não haja uma aproximação coordenada do bloco com esta região, seus membros já possuem acordos bilaterais de comércio com inúmeros países asiáticos, como Japão, Coreia do Sul e a própria China (KOTSCHWAR et. al, 2013). Ademais, de 2000 a 2011, as exportações dos países da AP para os EUA caíram em termos relativos, de 77% para 58%, enquanto que China e ASEAN passaram de 1% para 7% (idem). Portanto, ao enfatizar o escopo econômico da AP, seus líderes deixam claro que pretendem manter a relação de proximidade política com os EUA e de indiferença, ou mesmo rejeição, às alternativas do MERCOSUL e da ALBA. Porém, reconhecendo a gradual transição da riqueza mundial dos EUA para a Ásia, Chile, Peru, Colômbia e México demonstram que não pretendem perder o bonde da história e se preparam para encurtar as distâncias entre os dois lados do Oceano Pacífico. Referências BRESSER-PEREIRA, Luiz C. A nova Esquerda: uma visão a partir do sul. Revista Filosofia Política, nova série, vol. 6, p. 144-178, 2000. ETONIRU, Nneka. Explainer: what is the Pacific Alliance? 17 de maio de 2013. Disponível em: http://www.as-coa.org/articles/explainer-what-pacific-alliance Acesso: 10/06/2013. KOTSCHAWAR, Barbara; SCHOTT, Jeffrey J. The next big thing? The Trans-Pacific Partnership & Latin America. Americas Quarterly, 2013. PETRAS, James. US-Latin America relations in a time of rising militarism, protectionism and pillage. Global Research, 2009. Disponível em: http://www.globalresearch.ca/us-latin-american-relations-in-a-time-of-rising-militarism-protectionism-and-pillage/13601 Acesso: 25/05/2013. RIPPEL, Márcio P. O Plano Colômbia como instrumento da política norte-americana para a América Latina e suas consequências. Escola de Guerra Naval, 2004. SETTI, Ricardo. México, Colômbia, Peru e Chile mostram ao Brasil o que deveria ser feito em vez de permanecer atolado no Mercosul. Revista Veja, 02/06/2013. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/vasto-mundo/mexico-colombia-peru-e-chile-mostram-ao-brasil-o-que-deveria-ser-feito-em-vez-de-permanecer-atolado-no-mercosul/ Acesso: 05/06/2013. VII Encontro de Chefes de Estado da Aliança do Pacífico. Disponível em http://csis.org/multimedia/audio-pacific-alliance acesso em 31/05/13. Bruno Hendler é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB e professor do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba ([email protected]). [1] Áudio da 7ª reunião de cúpula presidencial da Aliança do Pacífico, disponível em http://csis.org/multimedia/audio-pacific-alliance acesso em 31/05/13. [2] Áudio da 7ª reunião de cúpula presidencial da Aliança do Pacífico, disponível em http://csis.org/multimedia/audio-pacific-alliance acesso em 31/05/13. |