A presidente Dilma Rousseff levantou, na Turquia, a bandeira de mais uma campanha fantasiosa, ao propor a união dos emergentes contra a "guerra monetária" movida pelos bancos centrais de países desenvolvidos. Poderia ter usado a expressão "guerra cambial", posta em circulação há mais de um ano por seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, para denunciar principalmente a inundação do mercado internacional por enormes volumes de dinheiro emitido pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Centenas de bilhões de dólares foram lançados pelo Fed, em duas grandes ondas, na tentativa de estimular a expansão do crédito nos Estados Unidos. Uma das consequências foi a valorização de várias moedas - entre elas o real, com sérios prejuízos para o comércio do Brasil. Mas a manipulação cambial mais antiga, mais evidente e mais danosa a um grande número de economias, incluída a brasileira, é praticada há muitos anos pelo governo de um país emergente, a China, a maior potência comercial do mundo.
Bastaria esse pormenor para mostrar o irrealismo da proposta da presidente Dilma Rousseff em seu discurso perante um auditório de cerca de 1.200 empresários turcos e brasileiros em Ancara, nessa sexta-feira. Segundo ela, os emergentes deveriam juntar-se para manifestar sua oposição à guerra cambial na próxima reunião do Grupo dos 20 (G-20), formado pelas maiores economias desenvolvidas e emergentes, marcada para novembro, em Cannes.
O governo brasileiro tem sido extremamente parcimonioso nas críticas à persistente depreciação da moeda chinesa. No início de sua campanha contra a "guerra cambial", o ministro Guido Mantega nem sequer se dispôs a falar contra a manipulação do yuan. Chegou quase a justificar essa política, ao descrever a ação das autoridades chinesas como defesa contra a desvalorização do dólar. Mas nem ele foi capaz de sustentar por muito tempo esse evidente despropósito. De fato, as autoridades chinesas vincularam o yuan ao dólar depois do agravamento da crise, em 2008, mas a estratégia de depreciação do yuan já era mantida havia muitos anos, apesar dos protestos da maior parte dos governos ocidentais.
A China tem sido o grande alvo das pressões, por sua política de câmbio, na maior parte das conferências do G-20. A depreciação do yuan tem sido também, por muitos anos, um assunto importante nas discussões de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O governo brasileiro nunca se comprometeu seriamente com essas críticas nos foros internacionais, mas tem sido forçado pelos fatos - e pelas pressões do empresariado nacional - a tomar medidas defensivas contra as práticas desleais de comércio da China.
Neste momento, nem se pode acusar o banco central americano de persistir na estratégia de grandes emissões. Sua política monetária continua frouxa, com juros próximos de zero, e, agora, com um programa de alongamento de prazo de títulos públicos de sua carteira. Também essa operação pode resultar em expansão monetária, mas o resultado nem de longe será parecido com o da segunda etapa de "afrouxamento quantitativo", quando foram emitidos cerca de US$ 600 bilhões. Essa etapa terminou em junho. Uma terceira poderá ocorrer, mas, por enquanto, está fora da agenda. A grande novidade nessa área, nos últimos dias, foi a decisão do Banco da Inglaterra de iniciar a compra de títulos no valor de 75 bilhões de libras, com a emissão, é claro, do valor correspondente em moeda. Teria a presidente notado esse fato?
Os chineses são hoje os maiores parceiros comerciais do Brasil e os maiores predadores de nossa indústria em todos os mercados - incluído o brasileiro. O governo brasileiro faria um trabalho político e diplomático muito mais útil à indústria nacional se reforçasse, nos foros internacionais, as pressões pela mudança da política de câmbio e do modelo chinês de crescimento. Já é tempo de abandonar em Brasília as fantasias terceiro-mundistas e a crença pueril na identidade de interesses dos países do grupo Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.