Segue abaixo um artigo que havia preparado para o VALOR e que foi publicado na edição desta quarta-feira dia 8 de maio. No entanto, por problemas de espaço, a versão publicada é um pouco menor do que o artigo original. Assim, o que reproduzo abaixo é o artigo original que é diferente da versão mais curta publicada no jornal, que não inclui os quatro últimos parágrafos.
Política industrial e equilíbrio fiscal
Por Mansueto Almeida
O Valor promoveu um debate interessante entre os professores Edmar Bacha e Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o futuro da indústria no Brasil reproduzido no caderno Rumos da Economia, de 2 de maio; e, na edição do dia 6, publicou matéria com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. Essas entrevistas contribuem para a discussão do futuro da indústria no Brasil.
Um primeiro ponto destacado pelos três economistas é o reconhecimento que a elevada carga tributária, no Brasil, atrapalha a competitividade da indústria. Estudo recente da Bain e Company para Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) destaca que, em média, 40,3% do preço da indústria no Brasil resulta da elevada carga tributária. Isso não seria problema se a produtividade da indústria e da economia fossem elevadas. Mas não é esse o caso. É recorrente em todas as análises que reduzir a carga tributária é importante para o futuro da indústria no Brasil.
Segundo, os três economistas reconhecem que a taxa de câmbio mais desvalorizada é importante para aumentar a rentabilidade das exportações de manufaturados. No entanto, como conseguir uma taxa de câmbio mais desvalorizada não é consensual. O professor Bacha deixa claro na sua análise, ao falar do controle do crescimento do gasto público, que déficit em conta corrente é resultado do excesso de demanda sobre oferta. O governo, ao tentar fixar “na marra” a taxa de câmbio, apenas ocasionaria mais inflação e não resolveria o problema da indústria. Assim, salvar a indústria passaria, necessariamente, por uma redução do gasto do governo, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que permitiria o aumento do investimento público, a redução de carga tributária e uma abertura planejada da economia.
Os outros dois economistas, Belluzzo e Coutinho, reconhecem a necessidade de maior responsabilidade fiscal, mas parecem acreditar que é possível o governo fixar a taxa de câmbio. Os dois passam a impressão que haveria um aumento de oferta decorrente de uma taxa de câmbio mais desvalorizada. No entanto, em uma economia com mercado de trabalho aquecido, maior desvalorização cambial se transforma em inflação e não resolve o problema de competitividade da indústria. Portanto, a necessidade de maior ajuste fiscal aparece novamente, e mesmo Belluzzo confessa que já chegou a defender uma proposta de “déficit (fiscal) nominal zero”.
Terceiro, os três especialistas falam da importância de maior integração das empresas industriais brasileiras às cadeias de produção global. Mas novamente, por trás desse aparente consenso, há divergências de como essa maior integração ocorreria. Bacha defende a redução da exigência de conteúdo nacional e de tarifas de importação. O maior processo de integração de empresas brasileiras ao resto do mundo resultaria da maior abertura, com perdedores e vencedores escolhidos pelo mercado.
Belluzzo e Coutinho, no entanto, acreditam em maior integração a partir de escolhas do governo via política industrial direcionadas a setores mais intensivos em tecnologia e com maior poder de disseminação de inovação para outros setores, por meio do uso de conteúdo nacional e compras governamentais. Os dois economistas parecem acreditar que maior integração com as cadeias globais é importante desde que parcela substancial de algumas cadeias (intensivas em tecnologia) estejam no Brasil.
Bacha e Coutinho utilizam o mesmo exemplo, a Embraer, para defender pontos de vistas totalmente diferentes. Bacha mostra que a Embraer é competitiva porque compra o que há de melhor no mundo para incorporar na sua produção, o que é possível pelo fato de a empresa não estar sujeita às amarras do conteúdo nacional. Coutinho cita o mesmo exemplo de sucesso de política industrial, mas quando questionado pelos repórteres do fato de a empresa ter baixo conteúdo nacional, reconhece que esse não seria o modelo ideal.
Apesar das diferenças comentadas acima, o que surpreende é que todos os três economistas com larga experiência na academia e governo reconhecem a necessidade de uma maior economia fiscal para “salvar a indústria”. No entanto, ao contrário do que poderia sugerir o debate, estamos fazendo exatamente o contrário.
Por exemplo, a agenda de desonerações de setores específicos da indústria está sendo implementada sem que tenha ocorrido um controle do crescimento da despesa pública. Assim, a maior desoneração levará a uma menor economia fiscal e, consequentemente, menor capacidade de o governo aumentar o investimento público. O aumento da dívida e repasses para bancos públicos com o aumento dos subsídios também limitam o espaço fiscal para novas desonerações e aumento do investimento público. Novamente, a agenda de curto prazo para salvar a indústria atrapalha a agenda fiscal de longo prazo da qual depende a indústria. Por fim, a agenda de concessões com o aumento dos subsídios do BNDES para que as novas obras de investimento saiam do papel pesa sobre as contas públicas e, assim, não permite novas desonerações ao longo dos próximos anos.
Em resumo, sem precisar entrar no mérito das ações de política industrial, uma agenda que o presidente do BNDES não cansa de repetir que é “muito complexa”, o que fica claro no debate do futuro da indústria no Brasil é a necessidade de o mesmo estar ligado ao debate fiscal. Infelizmente, não é isso que está acontecendo e, assim, as ações de curto prazo para estimular o crescimento de indústria e da economia estão aumentando a incerteza do cenário fiscal de médio e longo prazo e, logo, do próprio futuro da indústria.