Diplomacia e Relações Internacionais
A lenta, mas segura, deterioracao da economia brasileira - Rolf Kuntz e Editorial Estadao
Mistura tóxica: inflação, estagnação e crise fiscal
Rolf Kuntz*
O Estado de S.Paulo, 07 de dezembro de 2013
Ninguém vai jogar a toalha. A inflação já estourou a meta, com 4,95% até novembro. A economia encolheu 0,5% no terceiro trimestre e cresceu apenas 2,3% em 12 meses. Mas a presidente Dilma Rousseff ainda poderá falar em vitória se o ano terminar com alta de preços inferior a 5,84%, resultado final de 2012, e expansão do produto em torno de 2,5%. Nessa altura, poucos lembrarão a maior parte dos micos de 2013, incluída a entrevista ao jornal El País, quando ela anunciou a revisão do crescimento do ano passado para 1,5%. Houve revisão, sim, mas de 0,9% para 1%, como informou nesta semana o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Talvez numa próxima correção apareça a taxa de 1,5%, mas quem se importará, além da presidente?
Em qualquer país governado por gente comum, a mistura de crescimento econômico em torno de 2,5% com inflação acima de 5% seria considerada um desastre. Neste Brasil de governantes incomuns, as autoridades torcem por esse resultado. Que mais poderiam ambicionar, neste momento? Além disso, cantam vantagem, apontando países com crescimento menor, mas, curiosamente, em posição bem melhor na escala de risco de crédito. Agências de classificação cometeram erros notáveis nos últimos 20 anos, mas seus critérios, de modo geral, fazem sentido e suas avaliações são levadas a sério no setor financeiro.
No mercado, todo mundo sabe do risco de rebaixamento da nota do Brasil. O ministro da Fazenda até já se mostrou preocupado com essa possibilidade. Mas nem por isso decidiu cuidar seriamente das contas públicas, admitir os problemas e pôr de lado a contabilidade criativa e a política de remendos fiscais. Há poucos dias o ministro desistiu de mais uma operação para maquiar as contas federais - uma jogada com participação da Caixa e da Eletrobrás. Mas só mudou de ideia quando uma reportagem do Valor escancarou a manobra e toda a imprensa foi atrás da história. A armação de um lance desse tipo havia sido mencionada algum tempo antes na cobertura do Estado.
Segundo o plano, a Caixa financiaria, com garantia do Tesouro, pagamentos devidos por subsidiárias do setor de energia a um fundo setorial. Isso pouparia ao Tesouro uma transferência de R$ 2,6 bilhões. Assim ficaria um pouco mais fácil obter o superávit primário de R$ 73 bilhões prometido pelo ministro. Se o governo alcançar esse resultado, será principalmente graças a manobras e a receitas extraordinárias, como os bônus de concessões de infraestrutura e as parcelas do programa de refinanciamento de dívidas tributárias, o Refis. Este programa deverá render uns R$ 20 bilhões. Só a Vale deverá entrar com uns R$ 6 bilhões nessa coleta. E só o bônus do leilão do campo de Libra, no pré-sal, deverá proporcionar R$ 15 bilhões. A soma desses valores garantirá quase metade do resultado primário fixado para o governo central.
O desarranjo das contas públicas tem sido apontado como um dos principais fatores da inflação. A alta de preços está obviamente vinculada ao descompasso entre a demanda e a oferta interna, reconhecido por boa parte dos analistas e de novo mencionado na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom/BC). O presidente do BC, Alexandre Tombini, citou num discurso, nesta semana, o recuo das taxas acumuladas de inflação, mas é necessário muito otimismo para festejar os números conhecidos.
A inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), chegou a 4,95% no ano e a 5,77% em 12 meses. A variação mensal ficou em 0,54%, ligeiramente abaixo da observada em outubro (0,57%). Cinco dos nove grupos de despesas encareceram mais que no mês anterior. O índice de difusão - parcela de itens com aumento de preços - passou de 67,7% em outubro para 68,2%, confirmando, mais uma vez, a ampla disseminação das pressões inflacionárias. Não há como sustentar - nem havia antes - a tese oficial de uma inflação derivada da alta dos alimentos ou da valorização internacional das commodities. O custo da alimentação tem subido menos, assim como os preços das matérias-primas, como confirma a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entre outubro e novembro a alta dos preços no atacado passou de 0,71% para 0,12%, enquanto a dos preços ao consumidor acelerou de 0,55% para 0,68%.
Nem um resultado final abaixo dos 5,84% do ano passado está garantido, porque o IPCA de dezembro vai registrar os aumentos de preços de combustíveis, cigarros, eletricidade, água e esgoto, como observou o economista Fernando Parmagnani, da consultoria Rosenberg & Associados. Além disso, um ligeiro recuo da inflação neste ano - por enquanto, só uma hipótese - de nenhum modo garante uma nova redução do acumulado em 2014, advertiu Salomão Quadros, da FGV. Houve "coisas atípicas" neste ano, disse ele, lembrando a interferência política nos preços administrados.
Inflação alta e contas públicas em baixa combinam de forma desastrosa com a indústria emperrada. A produção industrial cresceu 0,6% de setembro para outubro - uma bela notícia, depois do fiasco do terceiro trimestre. Mas a comemoração pode ter sido exagerada.
É bom examinar as médias móveis trimestrais de dois anos. Como a indústria foi mal em 2011, a evolução em 24 meses ficou abaixo de pífia. Nos três meses terminados em outubro, o índice de produção praticamente repetiu o de igual período de 2011, no caso da indústria geral. O indicador do segmento de bens de capital (máquinas e equipamentos), 17,6% superior ao da média de agosto a outubro do ano passado, parece espetacular. Mas o aumento em dois anos ficou em 6,03%. Isso combina com uma taxa geral de investimento - público e privado - na altura decepcionante de 19% do PIB. Não haverá crescimento muito maior com esse investimento.
*Jornalista
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Inflação, entranhas e profecias
Editorial O Estado de S.Paulo, 08 de dezembro de 2013
A inflação continua elevada e é preciso manter a vigilância, segundo a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável número um pelo combate à alta de preços. Não é hora de olhar para outro lado, porque o perigo permanece, e pelo menos este recado é inequívoco. Mas sobrou uma polêmica no mercado financeiro: como ficarão os juros no próximo ano? A busca da resposta evocou, mais uma vez, um velhíssimo ritual. Sacerdotes antigos tentavam ler o futuro nas entranhas de animais sacrificados. Exercício muito semelhante - e igualmente sujeito a erro - fazem hoje os analistas do mercado, quando examinam as entranhas das Atas do Comitê de Política Monetária (Copom).
Segundo algumas leituras, a taxa básica, a Selic, será elevada de 10% para 10,25% na próxima reunião do Comitê, em janeiro, e com isso será encerrado o ciclo de alta. Outros ainda apostaram em uma elevação para 10,5%. Muitos classificaram a ata como "dovish", adjetivo derivado de "dove", "pombo", apontando no documento sinais de moderação.
Houve, enfim, quem descrevesse o documento como ambíguo. A ambiguidade teria sido proposital, para deixar espaço a qualquer decisão quando os oito membros do Comitê, todos diretores do Banco Central (BC), se reunirem de novo, em 14 e 15 de janeiro, para examinar as condições da economia e decidir os próximos lances da política monetária. Alguns palpites e interrogações surgiram até antes da publicação da ata. Estarão os diretores do BC dispostos a continuar aumentando os juros - supostamente contra o interesse da presidente da República - num ano de eleição?
No momento, esses diretores, incluído o presidente do BC, Alexandre Tombini, parecem mais preocupados com a própria imagem e com a respeitabilidade de sua política.
O cenário básico das projeções apresentadas no documento justifica pouco ou nenhum otimismo quanto à evolução dos preços nos próximos dois anos. Taxa de câmbio de R$ 2,30 por dólar e juros básicos de 9,50% "em todo o horizonte relevante" foram incluídos nas hipóteses. Resultado: ligeiro recuo da inflação projetada para 2013, manutenção da taxa anteriormente estimada para 2014 e alta de preços acumulada ainda acima da meta anual de 4,5% no terceiro trimestre de 2015.
Esta avaliação sem dúvida justificou a elevação da Selic para 10% na reunião de 27 de novembro. Mas justificará novos aumentos da taxa?
Os efeitos da alta de juros iniciada em abril só serão completamente observados nos próximos meses, segundo a ata. Essa defasagem é um dado conhecido. Falta saber se os membros do Comitê usarão esse argumento, na próxima reunião ou na seguinte, para interromper o aperto da política monetária. Neste momento, parece precipitado prever uma data para a interrupção das medidas de combate à alta geral de preços.
São citados só dois fatores para justificar algum otimismo. Segundo a ata, o quadro fiscal poderá avançar para a neutralidade no "horizonte relevante". Em português corrente: o desarranjo das contas públicas ficará menos grave e deixará de contribuir para a alta de preços. Em segundo lugar, o documento menciona "evidências de acomodação dos preços das commodities nos mercados internacionais". Com base nos dados do dia a dia, é muito difícil, no entanto, apostar em melhora significativa das contas federais, especialmente em ano de eleição. Quanto aos preços das commodities, podem ter muito menos peso do que os autores da ata parecem sugerir. Depois de um recuo temporário, a inflação mensal voltou a subir, neste ano, mesmo com a queda das cotações de produtos básicos.
Em contrapartida, a ata aponta um número muito maior de fatores de risco. O descompasso entre a demanda e a oferta internas, salários subindo mais que a produtividade, as possíveis pressões cambiais, a indexação e a desconfiança de consumidores e produtores tendem a alimentar a inflação. Daí a necessidade, reconhecida pelo Comitê, de manter a política monetária "especialmente vigilante". Diante disso, difícil, mesmo, será explicar um afrouxamento do combate à inflação.
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