A medida até agora mais simples desse retrocesso já era preocupante: dos 34 países mais "desenvolvidos", 28 não haviam alcançado, em 2011, o nível de produto per capita que tinham em 2007. A revista The Economist utiliza mais seis indicadores, além do produto interno bruto (PIB): consumo privado, desemprego, salário real, preços de ativos financeiros, preços de habitação e riqueza familiar. Uma média de retrocessos - tempo perdido em anos - em cada uma das três categorias em que estão agrupados esses indicadores produz o "índice Proust".
Alguns dos resultados: para a Grécia o relógio teria sido atrasado 12 anos. Irlanda, Itália, Portugal e Espanha teriam "perdido" sete anos ou mais. A Inglaterra, oito. Os Estados Unidos, epicentro do abalo sísmico que afetou a economia mundial, estariam, na média dos indicadores acima, com um atraso de dez anos. A revista não apresenta índices de Proust para países "em desenvolvimento". Mas é sabido que, dentre os 150 membros desse grupo, cerca de 33 teriam, em 2011, renda per capita inferior à que tinham em 2007.
Isso não significa, de forma alguma, nenhuma projeção para os anos à frente que seriam necessários para recuperar os anos "perdidos". É sabido que médias desse tipo podem encobrir tanto (ou mais) do que revelam. E que alguns dos indicadores do índice acima podem mudar muito mais rapidamente que outros, como, por exemplo, preços de ativos, após longos períodos de declínio. O fato é que, em definitivo, não era uma "marolinha", como se disse por aqui.
Os países de alta renda, cujas dificuldades têm consequências de ordem sistêmica, em seu conjunto, deverão crescer menos de 2% entre 2007 e 2012, enquanto no mesmo período a China, a Índia e o Brasil deverão crescer - e por motivos distintos - cerca de, respectivamente, 56%, 43% e 21%. Fica cada vez mais claro que esta crise está levando a uma mudança estrutural na composição da demanda e da oferta globais. E exigindo, de todos os países, respostas adequadas em termos de políticas domésticas - para além da área econômica.
Não é apenas o mundo desenvolvido que precisa lançar-se numa proustiana busca do tempo perdido para "recuperá-lo" - por meio de uma melhor memória de seu passado, base para uma visão de seu futuro. Permito-me ilustrar o ponto acima reproduzindo um texto recente: "Os principais obstáculos do rápido desenvolvimento econômico são internos, e não externos. Entre as restrições óbvias estão falhas de governança, gastos desnecessários com subsídios (...), um histórico terrível em termos de educação e saúde para a maioria da população, leis trabalhistas rígidas, infraestrutura inadequada e restrições ao uso eficiente da terra".
Como diria o grande Ancelmo Gois, "deve ser duro viver em um país assim". Apesar de soar muito familiar, a observação vem de um livro recém-lançado, com o título A Índia após a Crise Mundial, de Shankar Acharya, ex-assessor econômico do chefe de Governo indiano. O que sugere que, mesmo para um país que deve crescer mais que o dobro do Brasil entre 2007 e 2012, existe uma enorme necessidade de "buscar o tempo perdido". Até porque as deficiências mencionadas acima constituem oportunidades de investimento e apontam para a necessidade de continuidade no processo de reformas que permitiram o enorme progresso daquele país.
A grande lição não deveria passar despercebida por nós, brasileiros. E talvez não esteja. Em meu artigo neste espaço no segundo domingo do mês passado (Vivendo e aprendendo), mencionei que os leilões de concessão ao setor privado dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília vinham com um atraso de muitos anos, mas representavam, afinal, uma vitória do pragmatismo sobre a ideologia. Uma busca do tempo perdido para recuperá-lo - pensando no futuro.
Pois bem, nas últimas semanas tivemos outro exemplo: com 14 anos de atraso (tempo perdido) os fatos e os argumentos acabaram prevalecendo sobre a ideologia e o corporativismo. O governo Dilma Rousseff, afinal convencido de que o regime de previdência dos servidores públicos era absolutamente insustentável no médio e no longo prazos, decidiu mobilizar-se para mudá-lo, mostrando um entendimento que faltou ao governo Lula.
Existem muitos outros avanços possíveis e necessários exatamente agora que fica cada vez mais claro que o crescimento econômico sustentado a taxas superiores a 4% ao ano exige uma taxa de investimento privado mais elevada, especialmente em infraestrutura. Há que ampliar o regime de concessões (já que o lulopetismo não pode ouvir falar em privatizações) nessas áreas. E isso é urgente.
A ideia de que o problema fundamental do crescimento brasileiro é reduzir juros e desvalorizar o câmbio ainda é muito arraigada entre nós - assim como a suposição equivocada de que o governo pode colocar as taxas reais de juros e câmbio onde quiser. Menos arraigada entre nós é a necessidade de entender por que certos países foram e outros estão sendo bem-sucedidos no presente, como os asiáticos. Estes construíram um complexo e eficiente sistema educacional e uma invejável estrutura logística de transportes, cadeias de suprimentos e mecanismos pragmáticos de cooperação regional, sem perder de vista a sua integração com o resto do mundo.
É muito importante extrair dessas experiências - nada ideológicas - as lições corretas para o nosso futuro.
ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO