Na vanguarda de um pensamento moderno e atualizado, que vai na direção contrária à tendência protecionista e defensiva defendida por muitos dentro e fora do governo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou recentemente o documento Agenda de Integração Externa com propostas para promover a competitividade da indústria nacional por meio de nova estratégia de negociação comercial.
O trabalho, concentrado nos aspectos econômico e comercial, não analisa as questões políticas da projeção externa do Brasil. Trata-se de uma contribuição para o debate sobre como o Brasil deveria enfrentar os grandes desafios que as transformações que ocorrem no mundo colocam para o intercâmbio comercial global. Para a Fiesp, a inserção internacional é parte de uma agenda de competitividade mais ampla, que, se implementada, poderá facilitar o aumento do fluxo de investimento e o maior acesso aos mercados de bens e serviços no exterior.
No cenário externo, a multiplicação dos acordos de livre comércio nos últimos anos e a crescente integração de países e empresas nas cadeias globais de valor agregado trouxeram desafios para a inserção do Brasil. Em especial, a nova dinâmica de regulação do comércio internacional, via acordos preferenciais de comércio, tem ampliado o escopo das regras consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC), enquanto o Brasil, por causa de sua reduzida rede de acordos, tem ficado à margem dessa dinâmica. Em vista disso, o documento da Fiesp postula que o modelo de inserção produtiva do Brasil deve mudar.
Essa visão, compartilhada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), contrasta com o imobilismo do governo brasileiro, que, sem uma análise mais profunda como a do setor privado, deixa prevalecer considerações ideológicas que ignoram o que ocorre no mundo. Brasília não está preocupada com a tendência de acordos bilaterais, anunciam porta-vozes oficiais, ignorando, por exemplo, o impacto que pode ter sobre o Brasil um acordo entre EUA e Europa.
As propostas feitas pela Fiesp cobrem a integração regional e extrarregional, as negociações multilaterais, as parcerias econômicas e a reforma da estrutura institucional na área de comércio exterior.
No tocante à integração regional e extrarregional, a Fiesp propõe a imediata reincorporação do Paraguai ao Mercosul e a efetiva incorporação da Venezuela às regras do bloco. Além disso, sugere que o Brasil lidere a definição de países com os quais o bloco deveria negociar acordos de livre comércio. As negociações com Peru e Colômbia, cujo processo de desgravação em relação ao Brasil só se completará daqui a seis anos, deveriam ser aprofundadas e o acesso ao mercado desses países, consolidado. Complementando as negociações comerciais regionais, a Fiesp recomenda ainda a aceleração do processo de integração física pela realização de projetos prioritários para acesso aos portos do Pacífico, de modo a facilitar o escoamento de nossas exportações para a Ásia.
A integração com países de maior desenvolvimento tecnológico e geradores de inovação é outra prioridade. Com a União Europeia, o acordo de livre comércio, em negociação há mais de dez anos, deveria ser concluído até o final de 2014. Caso a Argentina e a Venezuela se tornem um empecilho para a conclusão do acordo, o Brasil deveria flexibilizar as regras atuais e, sob a égide do Mercosul, examinar as listas de produtos individualmente com o parceiro europeu. A decisão de negociar com uma única voz é um falso dilema, pois nada impede acomodar as circunstâncias econômicas e comerciais de cada país por meio de uma diferenciação de listas e cronogramas. Com a América do Norte, os entendimentos com o México e o Canadá deveriam ser acelerados e, com os EUA, iniciados estudos visando à celebração de um acordo de livre comércio.
O documento preconiza também apoio às negociações multilaterais no âmbito da Rodada Doha e, além disso, o fortalecimento da OMC, crucial para a transparência e a aplicação das regras comerciais.
Parcerias com potencial de desenvolvimento com países africanos, os Brics e países de língua portuguesa (CPLP) deveriam merecer apoio especial com vistas à ampliação das exportações de manufaturas.
Pelo lado das políticas públicas, além do aprimoramento dos mecanismos de financiamento, a Fiesp apoia a negociação de acordos para evitar a bitributação e de proteção de investimentos estrangeiros no Brasil e de empresas brasileiras no exterior, em particular na América do Sul e na África.
A interveniência de mais de dez ministérios e órgãos do governo no processo decisório de comércio exterior, além do número excessivo de normas legais, dificulta e burocratiza as atividades ligadas ao intercâmbio externo. Tendo em vista a estrutura do atual processo decisório interno, a Fiesp considera que será necessário priorizar e reforçar a Câmara de Comércio Exterior (Camex). Nesse sentido, a Fiesp propõe que a Camex seja o ponto focal da formulação da política de comércio exterior e da negociação externa e que o órgão seja vinculado diretamente ao presidente da República, de modo a que ganhe peso político maior no contexto da política econômica e possa ampliar a coordenação interna.
A Fiesp reconhece que a integração econômica com o exterior traz desafios à indústria. A baixa competitividade da economia do País representa um obstáculo quando se trata de negociar acordos que liberalizam o intercâmbio comercial brasileiro. Esse fato, porém, não deveria afastar a possibilidade de entendimentos com terceiros países, enquanto faz-se imprescindível que o governo e o setor privado avancem numa agenda de eliminação ou, ao menos, de redução do custo Brasil.
Para a Fiesp, o isolamento do processo de mudança no comércio internacional e o protecionismo não são opções para o Brasil.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP.