Diplomacia e Relações Internacionais
A grande polemica: insubordinado ou heroi? - uma reportagem cheia de falhas de Zero Hora
Quem escreveu a matéria conhece pouco o Itamaraty e os procedimentos diplomáticos: cheia de falhas, só vai transcrita aqui para fins de registro, não porque tenha qualidade...
Paulo Roberto de Almeida
Herói ou vilão?
Zero Hora, 31/08/2013 | 15h05
Atuação de Eduardo Saboia na remoção de Roger Pinto divide o Itamaraty
Colegas do pivô de crise se opõem entre quem vê ação humanitária e quem critica quebra de regras
Muito mais do que crise, o Itamaraty vive, neste momento, aquilo que no Rio Grande do Sul se convencionou chamar pelo neologismo de "grenalização" — uma intensa polarização.
O foco da polêmica a dividir nossa diplomacia tem nome, idade e profissão definidos, mas situação indefinida: o diplomata Eduardo Saboia, 46 anos, que é alvo de sindicância do governo.
O que fez Saboia? Retirou o senador oposicionista Roger Pinto da Bolívia, supostamente sem avisar seus superiores. Pinto estava havia um ano e três meses refugiado na embaixada do Brasil em La Paz. Percorreu 1,6 mil quilômetros, em 22 horas, até chegar ao Brasil, onde pretende se asilar e viver junto à família, que já está em Brasileia (AC). Responde a 20 processos, incluindo corrupção e até homicídio. Foi também quem incomodou autoridades ao vinculá-las com o narcotráfico. Por isso, se diz um perseguido.
O episódio se presta a polêmicas. A primeira que surgiu, de ordem semântica, foi: Pinto é foragido ou refugiado? A Bolívia diz que é foragido. As autoridades brasileiras estudam o caso para estabelecer a definição mais apropriada. A outra se centra na figura do diplomata brasileiro. Colegas dele até brincam com seu sobrenome, que se antecipou à reforma ortográfica da língua portuguesa — Saboia sem acento — assim como ele se antecipou à tibieza do Itamaraty.
Há dois grupos basicamente divididos desta maneira em relação à atuação de Saboia no "caso Pinto":
1) Positiva: Pinto estava havia muito tempo trancafiado na embaixada brasileira em La Paz. Deprimido, falava em suicídio. O governo boliviano se recusava a dar-lhe salvo-conduto para se asilar no Brasil. Havia uma situação-limite, e imperava o imobilismo. Saboia diz que agiu como agiu por questões superiores, humanitárias. Muitos diplomatas creem que, com isso, resgatou a altivez do Itamaraty.
2) Negativa: Saboia descumpriu princípios básicos da conduta diplomática ao agir de forma isolada e temerária, supostamente colocando a vida de Pinto em risco. Não teria consultado seus superiores para pegar o carro com o senador e ainda se fez acompanhar de dois fuzileiros navais, a fim de retirá-lo da embaixada. Isso abriria um precedente perigoso. Mais: provocou uma crise com a Bolívia.
Foi Saboia e Pinto colocarem seus pés do lado brasileira da fronteira, e se instaurou a polêmica pelos corredores nervosos do Itamaraty. Ouviam-se, quase que imediatamente, as expressões "corajoso", "Dom Quixote", "exemplo" e "herói". E uma recriminação à cúpula da diplomacia nacional: o nome de Saboia não deveria ter sido divulgado em nota à imprensa, contrariando o costume de omitir a identidade do diplomata para não expô-lo. Horas depois, as decisões do governo provocaram mais desconforto e comentários de corredores no Itamaraty. Primeiro, a demissão do chanceler Antonio Patriota. Depois, a criação de uma comissão mista para tocar adiante a sindicância. A comissão será presidida pelo auditor fiscal Dionísio Carvalhedo Barbosa com os embaixadores Clemente de Lima Baena Soares e Glivânia Maria de Oliveira.
A insatisfação com a saída de Patriota foi grande, e a comissão mereceu críticas quanto à forma e ao mérito. Assim que saiu a portaria número 9 com a designação da equipe investigadora, veio o comentário em relação à forma, com a pergunta: por que um auditor-fiscal? Quanto ao mérito, diplomatas comentavam, à boca pequena, que Saboia vivia um impasse em razão da falta de respostas oficiais ao pedir instruções dos seus superiores, em Brasília — ele inclusive esteve diversas vezes em Brasília pedindo orientações expressas dos seus superiores.
Pressionado, ele ficava entre o Planalto (na figura do assessor internacional para a presidência Marco Aurélio Garcia) e a Comissão de Relações Exteriores, que sabatina e interpela embaixadores. Vivia momentos de tensão, acompanhando a rotina de Roger Pinto e não recebendo orientações para um desfecho, enquanto o governo boliviano se recusava a dar o salvo-conduto com a clara preocupação de não ceder frente a um oposicionista que, réu em diversos processos, havia acusado autoridades de vínculo com o narcotráfico.
Organização abre campanha pelo diplomata
Por uma atitude que parcela da diplomacia e da opinião pública considera heroica e outra condena, o diplomata Eduardo Saboia, cuja trajetória inclui passagens por postos no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial, era encarregado de negócios em La Paz e, de lá, provavelmente pularia para assumir alguma embaixada. O encarregado de negócios é uma espécie de "vice-embaixador". Agora, pode ter sua carreira abreviada com a marca da fuga cinematográfica de Roger Pinto.
Neste momento, a ONG Avaaz realiza campanha para que ele não seja punido, no seguinte endereço: http://zhora.co/14LnFYu. Argumenta que Saboia agiu com "consciência e coragem", dando "fim à situação que já se apresentava como descabida e insustentável de cárcere privado" do senador.
No período em que conviveu com a situação de Pinto, recluso durante 15 meses no espaço de 20 metros quadrados de uma sala da embaixada, Saboia viajou oito vezes a Oruro, onde 12 corintianos estavam presos sob a acusação de terem se envolvido na morte do adolescente Kevin Espada, atingido por um rojão em jogo pela Taça Libertadores. Chegou a comprar comida com o dinheiro do próprio bolso para a infraestrutura e a alimentação dos brasileiros presos, e ao mesmo tempo prestava solidariedade à família de Espada. Entre outras honrarias, o diplomata foi condecorado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a medalha da Ordem do Rio Branco.
Amigos e familiares do diplomata dizem: entre o estrelato e a consciência, sempre optou pela última.
Pressão a Patriota causa constrangimento entre diplomatas
A respeito de Patriota, um homem de "linhagem" na carreira diplomática (irmãos e pai diplomatas), o respeito pelo seu trabalho é, aí sim, dominante, sem maiores ressalvas. Tido como "excelente funcionário" e cumpridor das liturgias, sabe-se no Itamaraty que ele vinha batendo de frente com a presidente em diversos temas. Chegou a circular um abaixo-assinado da iniciativa de embaixadores aposentados, em que se enumeravam razões para ele pedir a própria exoneração. Motivo: os "desmandos e humilhações" impostos por Dilma e Garcia, que interferiam na "diplomacia itamaratiana".
A expectativa é de que nada mude, em razão da formação de carreira do novo chanceler, Luiz Alberto Figueiredo Machado. Não bastasse isso, Figueiredo tem temperamento forte, o que faz colegas acharem que será menos complacente com interferências.
Ainda assim, há na diplomacia a desconfiança de que a própria demissão de Patriota se constitui num novo ato do "teatro" para os governos brasileiro e boliviano darem veracidade à ideia segundo a qual nada sabiam a respeito da atuação de Saboia. Mais um elemento que reforça essa tese: Patriota "caiu para cima". Exercerá um dos cargos mais ambicionados na carreira diplomática, a missão junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Qual a especialidade de Patriota? Multilateralismo. Qual a nacionalidade de sua mulher, Tania Cooper Patriota? Americana. Trabalha para quem? Para a ONU. Ou seja, Patriota foi "presenteado" com a punição. No jargão diplomático, ocupará um posto de "escadas e corredores". Ficará mais perto da mulher. Tudo em casa.
Mesmo diplomatas mais experientes e ex-chanceleres brasileiros se dividem quanto à decisão do então encarregado de negócios da embaixada em La Paz, Eduardo Saboia, de trazer, à revelia de Brasília, o senador Roger Pinto Molina, que estava asilado na representação para o país havia 15 meses. Ex-chanceler, Celso Lafer disse ter "apreço" pela "coragem" de Saboia, que assumiu a responsabilidade numa "situação-limite" e não se prendeu à burocracia. Ex-embaixador em Washington, Rubens Barbosa vê uma "arriscada e insólita" quebra de hierarquia, mas que teria "resolvido o problema para o Brasil".
Ex-chanceler, Luiz Felipe Lampreia classifica a atitude como de "total insubordinação", o que pode fazer a diplomacia nacional se tornar "uma bagunça". Enfim, mesmo entre os mais experimentados diplomatas, a polêmica se mantém viva.
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