Temas de política externa: 9. Oriente Medio - Paulo Roberto de Almeida
Diplomacia e Relações Internacionais

Temas de política externa: 9. Oriente Medio - Paulo Roberto de Almeida


Temas de Política Externa

Paulo Roberto de Almeida
Reflexões para desenvolvimento futuro

9. Oriente Médio
Uma das mais famosas frases do início do presente milênio foi certamente aquela do primeiro ministro da Defesa do presidente George Bush, Donald Rumsfeld, que, numa tradução livre, dizia mais ou menos o seguinte:
“Existem conhecimentos conhecidos. Estes são aquelas coisas que sabemos que sabemos. Existem desconhecimentos conhecidos. Isto quer dizer, existem coisas que sabemos que não sabemos. Mas também existem os desconhecimentos desconhecidos. Estão são coisas que nós não sabemos que não sabemos.”
Profundo, não é mesmo? Mas ele pelo menos tinha a sinceridade de revelar a sua própria ignorância, aliás sobre coisas que ele próprio desconhecia. Enfim, ele abriu todo um novo departamento de filosofia, que seria melhor deixar entregue a sábios da academia, antes do que a responsáveis pelas forças armadas de um país, e o seu emprego no terreno: já pensaram mandar tropas combater coisas desconhecidas que elas próprias desconhecem que desconhecem? Complicado, não é mesmo?
Enfim, esta era um pouco a situação do Brasil quando, na diplomacia do nunca antes, seus promotores resolveram se lançar em busca da paz no Oriente Médio, confiando apenas nas coisas que nós conhecíamos, isto é, a tradicional amizade entre judeus e árabes nas nossas pacíficas comunidades imigradas, convivendo nos melhores termos desde dezenas de anos, e dando – como se poderia dizer? – um exemplo mundial de tolerância e de entendimento, baseados na convivência mutuamente proveitosa, para ambas as comunidades. Eles sabem o que sabem, e nem sabem o que não sabem...
Enfim, parece que faltou à diplomacia sindical calçar as sandálias da humildade e confessar que não sabia o que não sabia, e talvez até o que sabia que não sabia, em lugar de tentar fazer a paz apenas na base da vontade política e do apelo a uma boa conversa entre duas almas gêmeas. O Brasil não é um novato na região, mas é verdade que nunca participou dos complicados esquemas de poder e de influência geopolítica, ademais dos extremamente complicados problemas políticos e de segurança que foram sendo criados após décadas de dominação colonial, golpes e contragolpes, guerras e ocupações, ações terroristas e de repressão estatal, um pouco em todas as partes. Estivemos envolvidos muito episodicamente – na missão de paz do Sinai, após a guerra do canal de Suez, por exemplo, e nas barganhas comerciais em torno do petróleo e de produtos brasileiros, inclusive armas, quando a ocasião se apresentou –, mas sem aquele grau de conhecimento direto, o tratamento de dossiês especializados e, sobretudo, sem a capacidade de influência que possuem ali vendedores de armas e financistas, vale dizer, as grandes potências.
Houve um tempo, em todo caso, em que a diplomacia sindical quis ir além das nossas modestas capacidades epistemológicas, sem nunca confessar que não sabíamos o que não sabíamos (pode ter sido ingenuidade, claro, mas pode ter sido também por cenas explícitas de megalomania). O Brasil pode ter algum papel, sempre modesto, a desempenhar no cenário geopolítico ultracomplicado do Oriente Médio, desde que, modestamente, calce as sandálias da humildade e forme especialistas na região, estude com afinco os problemas locais e procure sempre adotar uma postura cooperativa, ouvindo os dois (ou mais) lados. Preferências ideológicas anacrônicas, espúrias alianças partidárias, interesses políticos pouco transparentes e outras inclinações inconfessáveis podem sempre atrapalhar, e bastante, essa postura de equilíbrio que se requer no trato de questões complicadíssimas numa região explosiva.
O Itamaraty, aliás, sempre se pautou pelo equilíbrio e discrição no tratamento dos assuntos da região e no encaminhamento de temas das relações bilaterais e regionais que se apresentaram ocasionalmente ao Brasil, diretamente, ou de modo mais amplo nos foros multilaterais, quando alguma questão afeta à região era levantada. O programa nuclear iraniano, por exemplo, não era um assunto que estivéssemos acompanhando desde o início, ou para o qual estivéssemos técnica e politicamente preparados: tudo foi feito com base naquele entusiasmo dos neófitos que se julgam preparados para o que der e vier, com base num incorrigível otimismo e na inocência dos ingênuos. Pode-se também explorar a hipótese das amizades repentinas por certos apreciadores de futebol. Pode ser; caminhos nunca antes trilhados são sempre insondáveis...
Quando sabemos o que não sabemos sempre é mais fácil tomar decisões com base num engajamento muito modesto, sempre pensando nos custos e benefícios de um maior envolvimento com questões que não nos dizem respeito diretamente. A coisa só se complica mesmo quando não sabemos o que não sabemos, e pretendemos saber. Sempre pode surgir uma pedra no meio do caminho...


Hartford, 12/03/2014 



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