Populismo cambial? - Entrevista com Gustavo Franco (OESP)
Diplomacia e Relações Internacionais

Populismo cambial? - Entrevista com Gustavo Franco (OESP)



"O câmbio hoje é tão fixo quanto na minha época"

Raquel Landim
O Estado de S. Paulo - 14/10/2012

Para economista, tripé da política econômica (superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação) está "machucado", mas "é preciso ter tolerância, porque o mundo mudou"
O economista Gustavo Franco está convic­to de que o Brasil abandonou o câm­bio flutuante e ado­tou limites para a va­riação da moeda - um regime igual ao do seu período no governo. "E tal qual o que praticávamos na mi­nha época. Gom a vantagem de que, se der tudo errado, as autoridades não vão se sentir falhando em seus compromissos."
A avaliação de Franco tem peso. Ele é o pai da "âncora cambial", que ajudou a garantir a vitória do Bra$il contra a hiperinflação, mas não re­sistiu a um ataque especulativo agu­do no fim do primeiro mandato de Fernando Henrique. Franco coman­dou o Banco Central (BC) de agos­to de 1997 a janeiro de 1999.
O Estado começa a publicar uma série de entrevistas com ex-presi­dentes do BC sobre a condução da política monetária, que define os ju­ros do País. Comandado por Alexan­dre Tombini, o BC enfrenta hoje um de seus maiores testes de credi­bilidade, com os investidores des­confiando da interferência da presi­dente Dilma Rousseff e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em suas decisões.
Franco afirma que o tripé da polí­tica econômica - superávit primá­rio, câmbio flutuante e meta de in­flação - está "machucado", mas "é preciso ter tolerância, porque o mundo mudou". Ele diz ainda que os juros altos não são "produto da ganância dos bancos", como a infla­ção não era culpa da "ganância dos supermercados".
A seguir, trechos da entrevista.
O tripé da política econômica se mantém no governo Dilma?
É preciso nunca esquecer que o tri­pé reflete coisas mais profundas, que são responsabilidade fiscal, abertura da economia e moeda sã. Ou seja, existem princípios estraté­gicos da boa política econômica, que podem assumir um aspecto táti­co conforme a circunstância. É pre­ciso ter um pouco de tolerância. As noções de disciplina monetária e au­tonomia do BC foram desarruma­das com a crise de 2008. Há uma perplexidade sobre qual é o novo mandato dos BCs. É claro que isso teve repercussão no Brasil. A infla­ção está bem comportada, após as agressões que o tripé sofreu. Mas o momento é muito perigoso.
Por quê?
É aquela história: você tira um tijoli- nho da parede e nada acontece, en­tão tira mais um, e quando tirar o décimo e a parede desabar, vai reclamar que houve reação exagerada. Só que você está destruindo a cons­trução faz tempo. Parece que pode­mos fazer uma política fiscal expansionista, com forte crescimento do BNDES, sem ter conseqüências. É surpreendente que a inflação não te­nha reagido a tantos desafios. A ve­lha senhora apanhou à beça nesses anos de estabilização, mas sabemos que é complicado se ela acordar.
O mandato do BC é controlar a infla­ção, mas os críticos dizem que agora também tem meta de crescimento e de câmbio. Qual é a sua opinião?
Mudaram bastante os entendimen­tos canônicos sobre o que é o man­dato do BC. Qualquer BC hoje tem cinco mandatos. É fácil atirar pedra dizer que obedecem a vários manda­tos ao mesmo tempo, mas é o que a conjuntura exige. Até certo ponto, ok. Mas fomos um pouco longe demais. A manutenção do tripé como uma dou­trina ensejou a busca de brechas, co­mo as medidas macroprudenciais e a emissão de dívida pública para empres­tar ao BNDES. Com essas brechas, o tripé fica descaracterizado. As pessoas vão achar que jogaram fora o tripé e não colocaram nada no lugar. Então di­gam que o tripé agora tem quatro per­nas e é uma cadeira. O mercado se acostuma com a ideia. Se não explicar, fica parecendo que são gambiarras.
Dilma quer entrar para a história co­mo a presidente que baixou os juros. Vai conseguir?
E muito bom que tenha esse objetivo. É o problema número um da econo­mia brasileira, como foi a inflação. E re­duzir os juros a níveis normais pode ter impacto comparável ao da estabili­zação. O objetivo está ok, mas não se pode errar no diagnóstico. No comba­te à inflação, erramos várias vezes. O exemplo mais canhestro foram as cha­madas causas inerciais, que davam a sensação de que o congelamento de preços acabaria com a inflação. Tive­mos a repetição desse remédio algu­mas vezes. Por que é tão complexo re­duzir os juros? Seguramente não é um ato de vontade. Os juros são um preço de mercado, que refletem sobretudo a decisão das pessoas de comprar títu­los públicos. Não são produto da ga­nância. Lembre-se do tempo em que achavam que a inflação era alta no Bra­sil por ganância dos supermercados e dos oligopólios. Agora vejo elementos desse tipo de campanha para cima dos bancos. É perda de tempo. Significa uma politização indevida do tema, sem mexer no que é importante.
O diagnóstico do governo Dilma sobre os juros está equivocado?
Reduzir os juros deveria começar pelo aumento do superávit primário. Quan­to mais o Tesouro se endivida, mais pu­xa os juros para cima. Isso é o princi­pal, mas o governo só enxerga a políti­ca fiscal como instrumento para au­mentar a demanda. Se continuarmos querendo resolver o problema dos ju­ros no braço, vamos repetir o insuces­so das políticas de estabilização.
Claro. Hoje temos uma situação sin­gular, que é uma combinação de ple­no emprego com demanda fraca. Se setor privado acordar, a economia sobreaquece. Por isso, a maior parte dos especialistas projeta que, se o impulso fiscal continuar e o setor privado se animar, a inflação vai bei­rar o limite de tolerância do sistema de metas em seis meses. Se isso ocorrer, vai ter de subir os juros.
O Brasil tem hoje pouco espaço para choques externos de alta de preços?
A situação de pleno emprego torna o País sensível a qualquer choque de oferta. Mas a inflação não é o nos­so principal problema. O governo acerta no entendimento de que é preciso trabalhar para o crescimen­to. De novo, o problema é o diagnós­tico. Já temos todos trabalhando. O que gostaríamos é que o Brasil pro­duzisse mais. Este é um problema de produtividade. E como elevar a produtividade? Com mais escolari­dade, mais competição. Seguramen­te não é o gasto público. O desafio hoje é mudar o mix: aumentar o gas­to privado com investimento e redu­zir o gasto público corrente. O go­verno é ruim para fazer investimen­to. Gasta-se um dinheiro insano pa­ra fazer ponte, estrada, estádio de futebol. Custa cinco vezes p preço e dá tudo quanto é problema no TCU (Tribunal de Contas da União).
Em meio à crise global, é justificá­vel um câmbio mais controlado para defender a indústria?
É preciso pragmatismo nesse assun­to. Filosoficamente todos somos favoráveis ao câmbio flutuante. Mas existem circunstâncias e circunstân­cias. Fui presidente do BC numa época em que a manutenção do câm­bio era muito importante para asse­gurar uma conquista da sociedade, que é a vitória sobre a hiperinflação. A âncora cambial não é uma coisa para se fazer em circunstâncias nor­mais, mas foi fundamental para ga­nhar essa batalha. Hoje as circuns­tâncias são outras. Na opinião das autoridades, a manutenção de uma taxa de câmbio muito apreciada é danoso demais para a indústria. Não sei se compartilho, mas o Brasil não é o único país que pratica inter­venções no mercado de câmbio. Na­da disso é ilegítimo. Do jeito que es­tá sendo feito agora é uma banda cambial - tal qual a que praticáva­mos na minha época -, porém, não proclamada, com números não espe­cificados, sem ferramentas claras. E com a vantagem de que, se der tudo errado e o câmbio começar a se apre­ciar, as autoridades não vão se sen­tir falhando em seus compromissos.
A meta de inflação de 4,5% é alta?
A diferença é muito pequena, espe­cialmente para alguém como eu que estava no BC quando a inflação atin­giu 40% ao mês ou 6.000% ao ano (ele foi diretor de assuntos internacio­nais do BC no fim do governo Itamar). 3,5% ou 4,5% é muito bom. Se man­ter a meta em 4,5% for o preço para ajustar as finanças públicas e ter ju­ros de primeiro mundo, é justificável. Mas acima de 4,5% seria ruim para a credibilidade do sistema.
Ainda há muita indexação no Brasil?
Não. Esse assunto de indexação é um falso problema. As economias li­vres de inflação não impõem restri­ção à indexação. No Brasil, é assim. Só é proibido fazer contrato indexa­do a um índice de preço com prazo menor que um ano. Hoje o sistema anual funciona. Todos assinam con­tratos de aluguel. As empresas que fornecem energia em contratos de 30 anos estão satisfeitas com o reajuste anual. A indexação é um segu­ro que beneficia as duas partes de uma relação contratual. Deixa a in­dexação, não vamos mexer nisso.
O Plano Real completou 18 anos e quem nasceu na década de 90 nem sabe o que é hiperinflação. Ainda há risco de inflação descontrolada?
É sempre bom guardar a memória da tragédia. Não existem bem essas fronteiras, mas sabemos que, quan­do os contratos deixam de ter rea­juste anual e passam a semestral, a inflação pula de 25% para 40%. Se fo­rem para três meses, vai a 100%. En­tre o governo Figueiredo e o fim do governo Sarney, o Brasil passou de 100% ao ano para 83% ao mês. Cla­ro que essas tragédias requerem muitas coisas dando errado e não creio que vamos viver isso de novo. Mas não quer dizer que todos os problemas estejam resolvidos.



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