Erros historicos da diplomacia brasileira - Marcelo Coutinho
Diplomacia e Relações Internacionais

Erros historicos da diplomacia brasileira - Marcelo Coutinho


Erraram, de novo!
Marcelo Coutinho
O Globo, 30/03/2012



O Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, pôs em prática há mais de 100 anos uma política externa em direção aos EUA. Fazia todo sentido à época, já que a Europa aos poucos perdia poder econômico. Nada melhor naquele momento do que ampliar a cooperação com Washington. Começamos, então, a nos tornar parte de um arranjo pan-americano, que bem mais tarde daria origem à OEA.
Algo semelhante ocorre hoje. Seguindo os fluxos do comércio internacional e pressentindo mudanças, o Itamaraty promove uma aproximação maior com a China. O governo chegou a modificar a nossa identidade latino-americana em favor de outra ainda em construção em torno dos Brics, mais vinculada à Ásia, adotando uma política basicamente de prestígio.
Há similaridades entre a política do Barão e a atual. Queremos ser vistos como uma fonte de estabilidade na América do Sul, e até o Acre voltou a ser uma questão, agora com os haitianos imigrantes. Mas, enquanto no início do século XX estabelecemos relações especiais com a potência em ascensão para que ela não interferisse em assuntos do nosso interesse, recentemente contribuímos para a entrada dos negócios asiáticos na América Latina, o que acabou enfraquecendo nossas exportações industriais.
Saíram a Doutrina Monroe e o Corolário Roosevelt, entrou a primazia de Xangai. A latino-americanização e o universalismo de um tipo de política adotada a partir dos anos 1960 (política externa independente e pragmatismo responsável), em certa contraposição ao legado do Barão, mantêm-se apenas no discurso de membros do atual governo. Na verdade, voltamos a concentrar relações ao centro do sistema.
Em 1912, mais de 90% do que exportávamos para os EUA eram produtos básicos como café, borracha, algodão e açúcar, e comprávamos deles 80% de manufaturados e 20% de alimentos. Tornou-se o nosso maior mercado externo. Atualmente, o parceiro mudou, mas não os pesos relativos. 90% do que compramos dos chineses são manufaturas e 10% de alimentos, enquanto mais de 90% do que vendemos a eles são commodities como minério de ferro, soja e petróleo. Agora, como na Velha República, a inserção da economia brasileira no mundo dá-se mediante bens com baixíssimo valor agregado.
É importante salientar ainda o impressionante crescimento da dependência do Brasil em relação à China, talvez até superior em relação aos EUA cem anos atrás. 28% das exportações brasileiras iam para o vizinho do Norte no início do século XX, quando havia menos de 60 países independentes. 14% das nossas exportações já vão agora para a China, embora existam quase 200 nações. Em termos relativos ao tamanho da comunidade internacional, surpreende muito mais a importância chinesa.
Após a morte do Barão, não demoraria muito para que os EUA se transformassem também em nosso maior credor internacional. Antes era a Inglaterra quem mais nos emprestava dinheiro, normalmente para suportar o serviço da dívida e possibilitar compras externas. A relação Brasil-China segue o mesmo caminho. Os investimentos de Pequim aqui são com vistas ao seu próprio abastecimento, numa política conhecida dos antigos colonizadores.
Observa-se, no entanto, uma distinção fundamental. Diferentemente da era Paranhos Júnior, hoje ocorre um processo de desindustrialização. Quando o Brasil trocou o Reino Unido pelos Estados Unidos, trocou seis por meia dúzia em relação econômica. Primários exportadores éramos e continuamos até os anos 1950. Mas, quando o governo substitui os EUA pela China e Índia, ajuda a derrubar a indústria nacional.
No passado, como hoje, o Brasil se via muito bem posicionado internacionalmente, tão bem a ponto de se candidatar a um assento permanente no extinto Conselho Executivo da Liga das Nações. Após jactâncias diplomáticas, o Brasil ficou de fora do principal órgão decisório do mundo durante o governo Arthur Bernardes (1922-1926). O chanceler Feliz Pacheco tinha a convicção de que o Brasil, então membro rotativo, estava à altura das grandes potências.
O mesmo erro de percepção atingiu o Itamaraty de novo. O Brasil não tem condições neste momento de competir comercialmente nem mesmo com o México. Dizer que a China depende do Brasil é como afirmar que os europeus dependiam de nós para a provisão de banha de porco na Primeira Guerra. Os chineses precisam dos nossos recursos naturais como precisamos do dinheiro deles. Isso se chama desigualdade, e não interdependência. Uma diferença que um século depois do Barão não pode ser simplesmente apagada.



loading...

- Cade A Politica Externa Que Estava Aqui? Sumiu??? - Ricardo Noblat
POLÍTICA EXTERNA De olho no próprio umbigo Ricardo Noblat O Globo Online, 29/04/2015 No governo Dilma o Itamaraty não tem qualquer relevância. Estamos não apenas perdendo o bonde da história, mas também este legado Poucas vezes na história brasileira...

- Seminario Rio Branco No Rio: 8 A 10 De Maio
Seminário Internacional "Barão do Rio Branco – 100 anos de memória"Como parte da celebração do centenário de falecimento do Barão do Rio Branco, a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e seu Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais...

- Centenário Da Morte Do Barão Do Rio Branco - Nota Do Mre
Em tom burocrático, comme il faut... Ministério das Relações ExterioresAssessoria de Imprensa do Gabinete Nota à Imprensa nº 3110 de fevereiro de 2012 Centenário da morte do Barão do Rio Branco O Ministério das Relações Exteriores recorda...

- Villafane E A Construcao Do Brasil: Um "founding Academic"?
Revisões de mitos sempre são bem-vindas. Eu, pelo menos, me considero um iconoclasta e um anarquista histórico, ainda que o revisionismo, para ser consistente, necessite estar embasado em sérias pesquisas e frutificar ao longo de uma reflexão bem...

- Direitos Humanos: Criticas A Posicao Diplomatica Do Brasil
O pior dos mundos Marcelo Coutinho O Globo, 27.09.2010 Desde o início do governo Lula, o Brasil adotou um padrão novo de posicionamento em questões relacionadas aos direitos humanos, passando a votar a favor de países como Irã e Coreia do Norte....



Diplomacia e Relações Internacionais








.