Embaixador Roberto Abdenur e a diplomacia brasileira (2) - Veja 2010
Diplomacia e Relações Internacionais

Embaixador Roberto Abdenur e a diplomacia brasileira (2) - Veja 2010


Alguns posts mais abaixo, reproduzi, pela segunda vez, a entrevista concedida pelo Embaixador Roberto Abdenur às Páginas Amarelas da revista Veja, em 2007 (Nem na Ditadura).
Agora reproduzo em claro a entrevista concedida mais recentemente.
Pode-se conferir os temas e os argumentos, comparando ambas...
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia de palanque
Entrevista: Roberto Abdenur
Diogo Schelp
Revista Veja, 06/09/2010

O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos diz que o Itamaraty orientou mal o presidente e que seu sucessor precisa incorporar os valores ocidentais à diplomacia

Aceita um copo d"água, um café ou, quem sabe, um pouco do caviar que me envia sempre um cerro amigo iraniano?"", oferece Roberto Abdenur, de 68 anos, ao receber a reportagem de VEJA em seu agradável apartamento no Rio de Janeiro. No humor característico dos diplomatas, a referência ao caviar é apenas uma ironia sobre um dos temas que deixam estupefatos especialistas em política externa, a estreita relação do governo brasileiro com o regime do iraniano Mahmoud Ahmadinejad. As ambições nucleares e a violação assumida de direitos humanos, como o apedrejamento de mulheres por adultério, fizeram do Irã um pária internacional. Com seus 44 anos de carreira diplomática, três deles como embaixador em Washington durante o primeiro mandato do presidente Lula, Abdenur é uma das pessoas mais habilitadas para avaliar o Brasil no quadro diplomático mundial. Na entrevista a seguir, ele demonstra o seu assombro diante da maneira como os preconceitos ideológicos e o gosto de Lula por um palanque prejudicaram a imagem do Brasil no exterior.

Que balanço o senhor faz da política externa do governo Lula?
A diplomacia brasileira tem uma trajetória quase secular de buscar maior presença e mais influência nos foros internacionais. Nesse ponto, o governo Lula não inventou nada de novo. O problema é a maneira como isso vem sendo feito. A política externa brasileira, nos últimos oito anos, atuou com base na visão de que no mundo ainda há claramente uma contraposição entre ricos e pobres, norte e sul. Isso não faz mais sentido em um mundo globalizado, em que o poder internacional é difuso, a China está em ascensão e outros países dinâmicos e de grande porte, como o Brasil, ganham espaço. Apesar dessa nova realidade. a política externa de Lula tem procurado apresentar o Brasil como líder dos países pobres. É preciso abandonar essa visão.


O senhor escreveu que a diplomacia brasileira precisa recuperar o seu "lado ocidental". Por quê?

O Brasil, nos últimos anos, relegou a um plano de quase irrelevância o compromisso com dois valores fundamentais para a política externa: a democracia e os direitos humanos. Estes são valores ocidentais e, também. brasileiros. Não podemos esquecer que a cultura política do nosso país descende do Iluminismo, da Renascença, do Humanismo, da Revolução Americana, da Declaração dos Direitos Humanos e do multilateralismo. O Brasil precisa incorporar ao seu arsenal diplomático uma maior adesão a esses valores. Está nas mãos do próximo presidente fazer isso, seja ele quem for.

Como?
Eu não prego a adoção de atitudes ingênuas, em que o Brasil se sinta a palmatória do mundo e saia por aí batendo nos países que não se comportem bem. Tampouco precisamos nos privar de ter relações, dentro dos limites dos nosso interesses, com países autocráticos ou violadores dos direitos humanos. A diplomacia tem de ser pragmática e realista o suficiente para entender que, até certo ponto, você pode e deve levar adiante intercâmbios econômicos e até diálogo político com certos países. Incorporar os valores ocidentais também não significa ser submisso ao que dizem americanos ou europeus.

O chanceler Celso Amorim disse que "negócios são negócios" ao justificar a visita de Lula a uma ditadura africana. Esse é o pragmatismo de que o senhor fala?
Não. Há limites para a diplomacia presidencial. Quando o presidente entra em cena, atribui-se à relação com determinado país um peso político muito maior. O presidente é a instância mais elevada da diplomacia, e é preciso dosar a sua exposição. pois ela traz consigo o endosso e a imagem de todo o país. O problema é que o Itamaraty não sabe dizer "não" a Lula, e isso cria situações como as que envolveram recentemente o Brasil e o Irã. Há uma empatia clara entre Lula e o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, da mesma forma que, paradoxalmente, houve entre Lula e o seu colega americano George W. Bush. Como Brasil e Estados Unidos têm laços estabelecidos, a afinidade entre Lula e Bush podia ser usada para conseguir avanços nas relações bilaterais. Não há benefício algum, no entanto, em aproximar-se do Irã, muito menos em nível presidencial. Ahmadinejad é o líder de um regime teocrático, violento e isolado internacionalmente. Apesar disso, Lula diz que tem uma relação de carinho com o iraniano. O brasileiro entrou nisso movido por seu instinto positivo de projetar o país no cenário internacional. Faltou alguém dizer a ele: "Presidente, atenção. Veja as circunstâncias: o que está acontecendo no Irã é muito sério". O que explica essa atitude? Há um palanquismo na política externa, algo que reflete muito a natureza pessoal de Lula. A preocupação maior do Itamaraty tem sido armar palanques para o presidente. Essa diplomacia cenográfica tinha até pouco tempo atrás um bom público lá fora. Até a eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, em 2008, Lula era o governante mais respeitado e estimado no exterior. Ele acumulou um bom capital político, principalmente pela conjuntura econômica favorável. Por mais atuante e charmoso que Lula seja, ele não teria a mesma audiência nem o mesmo prestígio se tivesse posto a economia brasileira no chão.

Como Lula usou esse prestígio?
Lula, por sua sofreguidão em ser popular com todo o mundo e por ignorar as circunstâncias das situações em que se meteu, pôs a perder uma parte considerável do capital político adquirido para si e para o Brasil. Quando Ahmadinejad veio a Brasília e disse apoiar a candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança, nós perdemos muito voto. Todos os que se preocupam com o Irã - e na lista estão a maior parte dos vizinhos árabes, os europeus, os americanos, os canadenses, os australianos e os japoneses - veem com desconfiança esse tipo de apoio. O ocaso da diplomacia brasileira, portamo, acarreta uma perda não apenas para a persona do Lula, mas também para a imagem do Brasil. Dói imensamente ver as credenciais do Brasil para ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU serem seriamente prejudicadas por todos esses erros de política externa. Não se trata de uma perda irreversível, mas não podemos ignorá-la.

Como o senhor avalia as relações do governo brasileiro com o presidente venezuelano Hugo Chávez?
É uma aberração diplomática. O Brasil é condescendente com Chávez, com Evo MoraIes, da Bolívia, e com Rafael Correa, do Equador, apenas por representarem regimes identificados com o de esquerda. Isso é um erro, porque não existe política externa de esquerda. A diplomacia tem de refletir os interesses do estado. não de um partido. O governo brasileiro é ativamente solidário e conivente com Chávez, um líder que está em etapa internas da Venezuela. que enfrenta uma crise de desabastecimento e não pode se dar ao luxo de cortar os laços comerciais com a Colômbia.

Há semelhanças entre a política externa lulista e a do presidente Ernesto Geisel (1974·1979), que também deu ênfase à aproximação com países do chamado Terceiro Mundo?
A diplomacia do governo Lula assemelha-se mais à dos primeiros anos da ditadura militar, porque ambas se deixaram guiar por preconceitos ideológicos. Os erros do atual governo nascem de uma orientação supostamente esquerdizante e da simpatia por regimes populistas e antiamericanos. Já a diplomacia da primeira década da ditadura militar era excessivamente pautada pela ideologia anticomunista. A submissão a essa agenda incluiu episódios lamentáveis, como a participação de tropas brasileiras na invasão americana da República Dominicana. em 1965. e o apoio a Portugal, na ONU. contra os movimentos de libertação nacional na África. O governo Geisel corrigiu erros como esses ao reconhecer o governo pós-independência em Angola, iniciar relações com a China e fechar um acordo nuclear com a Alemanha.

Há aspectos positivos na política externa de Lula?
Tenho muito respeito pelo presidente Lula, com quem tive uma relação muito amena e respeitosa durante o período em que fui embaixador sob sua gestão. Não desmereço, portanto, suas realizações, entre as quais está a participação no G-20, grupo que reúne os 5 países mais ricos do mundo e as principais potências emergentres, em que o Brasil exerce um papel relevante na prevenção de novas crises financeiras. Outra medida valiosa, adotada logo no início do primeiro mandato, foi aliar-se a Alemanha, Japão e Índia no chamado G-4, para levar adiante o debate para a ampliação do Conselho de Segurança. Essa iniciativa perdeu força com a decisão brasileira de envolver-se na questão nuclear iraniana. O Brasil, que antes passava uma imagem de campeão da não proliferação nuclear, agora parece aceitá-la com rabugice.

A política externa recebe a devida atenção na campanha eleitoral?
Esse nunca é um tema de destaque no debate político, mas alguns de seus componentes foram levantados quando os candidatos da oposição ralaram de direitos humanos no Irã e da produção de coca na Bolívia. Nesse ponto específico. as críticas não deveriam ter sido direcionadas contra o governo boliviano. mas contra o brasileiro. Evo Morales é um cocaleiro e, como tal, obviamente quer que seu país produza mais coca. Já o governo Lula, com seu desejo de ser bonzinho com os outros países. nunca usou os canais políticos para cobrar da Bolívia uma atitude mais severa para barrar a saída de cocaína para o Brasil. Esse fato foi confirmado para mim por uma fonte boliviana muito bem informada.

Como é a relação de Lula com Obama?
Lula começou a bater em Obama antes de eleito e não cansa de dar canelada no americano. Creio que há, aí, um elemento de ciúme, porque Obama tirou de Lula a posição privilegiada no palanque global.



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