Economia do Brasil: estimular o investimento - Ilan Goldfajn
Diplomacia e Relações Internacionais

Economia do Brasil: estimular o investimento - Ilan Goldfajn


Este economista pede que o governo faça o que não está fazendo e não sabe como fazer: estimular o investimento. Mas o governo só sabe estimular o consumo, o dispêndio, o desperdício dos recursos públicos, e sustentar determinadas atividades setoriais que contam com amigos poderosos na corte.
Seria pedir muito milagre ao santo, usando apenas velas como recurso.
Acho que não vai dar...
Paulo Roberto de Almeida 

Estimular incentivando

Ilan Goldfajn
O Estado de S.Paulo05 de junho de 2012 

Havia ilusão, talvez esperança. Quem sabe, a "década perdida" duraria apenas a metade? A realidade é que chegamos ao quinto ano da crise (2007- 2012) e não há sinal de recuperação rápida. Agora a crise na Europa bate à porta. Mesmo que seja debelada, a incerteza gera um recuo na atividade mundial. Exportações diminuem, investimentos são adiados e os governos têm de recorrer a mais estímulos para manter suas economias crescendo. O sucesso dos estímulos vai depender da forma como são desenhados e implementados. É preciso estimular, pelo incentivo, de preferência no que faz falta. Na China a ênfase deve ser no consumo maior, no Brasil, em aumentar o investimento.
Nos EUA a chave está na renovação dos estímulos fiscais que vencem este ano. As projeções para o crescimento do PIB em 2012 estão caindo para uma faixa de 2%. Antes chegavam a quase 3%. Com as empresas menos endividadas e as famílias no mesmo processo, as esperanças se renovaram. O governo deve continuar endividado por um tempo. Um plano fiscal crível de médio e longo prazo é necessário para que não haja dúvida quanto à sustentabilidade futura. Os investidores precisam continuar confiando nos títulos do governo para que seus juros sigam baixos.
Esse luxo (a confiança do investidor) a Europa parece não ter mais. Pelo menos nos países da periferia. A Grécia e Portugal não têm acesso ao mercado privado para rolar suas dívidas, dependem do apoio público do resto do mundo. A Espanha está indo no mesmo caminho. Precisa pedir ajuda externa para salvar os seus bancos em dificuldades. Ajuda do próprio governo espanhol não serve mais. Os investidores se perguntam: como o governo vai conseguir o dinheiro para ajudar seus bancos? Não virá do bolso dos investidores, ao que tudo indica.
Neste mundo de dificuldades, a Europa caminha para uma recessão este ano (entre -0,5% e -1%), mesmo num cenário em que a crise seja debelada. Mas a crise pode ser deflagrada por qualquer faísca solta neste momento. E não faltam faíscas. As eleições na Grécia são uma delas. Os gregos não querem sair do euro, mas também não se dispõem a fazer os ajustes que fazem parte do programa que assinaram. É possível que os outros governos da Europa ainda indiquem alguma flexibilidade no tamanho do ajuste requerido. Mas, dependendo do resultado das eleições, a Grécia pode ver sua saída do euro desencadeada pela falta de apoio às medidas e pela fuga de recursos do país.
A resolução da crise na zona do euro, em minha opinião, não virá mais de um grande anúncio - um novo plano de reformulação com mais união fiscal e ajuda entre os governos. Esse plano pode vir a complementar o ocorrido, a posteriori. Mais provável é que a saída venha na hora do aperto, quando o Banco Central Europeu (BCE) for empurrado a monetizar as dívidas e financiar os bancos dos países periféricos para estancar corridas bancárias que venham a ameaçar um ou mais países do euro. Na hora da crise países centrais, como Alemanha e França, podem preferir de facto (implicitamente) a flexibilidade extrema do BCE, a monetização e socialização das dívidas, a aceitar a derrocada do projeto político de união europeia. O BCE transformar-se-ia numa espécie de Fed (o banco central americano) com um balanço tão ou mais inchado com títulos privados. Não será a solução de longo prazo, mas alivia os mercados e o curto prazo. Abre tempo e espaço político para o novo desenho da zona do euro.
Como deveriam agir os países de economias emergentes, como o Brasil?
A China vê sua economia desacelerar em razão da menor demanda por suas exportações pelos países afetados pela crise, mas também do esgotamento do estímulo à demanda interna via mais investimentos. Tudo indica que a China continuará estimulando sua economia, mas de forma sustentável ao longo do tempo e com ênfase crescente no consumo doméstico, dada a sua taxa de poupança elevada. Mais consumo na China, substituindo suas exportações, é o que desejam chineses e o resto do mundo.
No Brasil, ao contrário, o problema não tem sido de consumo. O crescimento do PIB tem decepcionado, sim, com apenas 0,2% no primeiro trimestre (em relação ao trimestre anterior). E os fracos dados da produção industrial de abril comprometem a expectativa de reaceleração forte do crescimento no segundo trimestre.
Mas a decomposição do crescimento do primeiro trimestre revela que a melhor estratégia para a frente é concentrar no estímulo à oferta e ao investimento no Brasil. Vejamos.
Os dados do primeiro trimestre mostram uma surpresa maior pela ótica da produção (lado da oferta) que da absorção doméstica (demanda), que cresceu 0,8%, bem acima do PIB. Uma parte do crescimento da demanda foi atendida pelas importações (o setor externo contribuiu com -0,1ponto porcentual para o crescimento do trimestre) e outra parte, pelos estoques.
O consumo continua crescendo na economia brasileira (1%). Foi o investimento que caiu 1,8%. Uma parte da queda do investimento tem fatores específicos, como a produção de bens de capital para os segmentos de transporte, que caiu um pouco mais de 20% (o resto subiu cerca de 0,8%), em parte consequência da entrada em vigor de mudança tecnológica (para veículos mais alinhados com a sustentabilidade ambiental). Mas como ainda há capacidade ociosa na indústria, e as incertezas globais têm aumentado, é natural esperar um processo mais lento de recuperação dos investimentos.
Nesse contexto global, são necessários estímulos que de fato incentivem. O Brasil deveria concentrar-se em incentivar o investimento, o caminho mais direto para recuperar o crescimento de forma sustentável. Para isso é necessário oferecer as melhores condições ao investimento, por meio de segurança (clima de negócios) e retorno adequado ao longo do tempo.
* ECONOMISTA CHEFE DO ITAÚ UNIBANCO SÓCIO DO ITAÚBBA



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