Apartheid racial e racismo oficial: um comentario equivocado...
Diplomacia e Relações Internacionais

Apartheid racial e racismo oficial: um comentario equivocado...


Este blog, como diz o seu "recado de entrada" está dedicado a ideias, se possível inteligentes, de pessoas inteligentes, e nisso não vai nenhum desprezo em relação a quem professa ideias ingênuas, de senso comum, como se costuma dizer.
Ele é democrático e está aberto a todo debate, de boa fé, sobre questões relevantes de políticas públicas, de preferência sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil, mas também aceita questões e opiniões, desde que bem informadas, sobre temas de política interna, desde que contribuam para o esclarecimento público e o que eu chamo de "elevação intelectual" dos cidadãos interessados e curiosos.
De vez em quando chegam-me ofensas, impropérios, achismos de militantes de certas causas, que manifestam ódio e rancor pelas ideias aqui expressas, e pela campanha que eu pessoalmente levo contra o abaixamento intelectual e a degradação moral do Brasil, infelizmente em curso na presente conjuntura, quando seres intelectualmente rústicos foram chamados a comandar a certas instâncias de decisão no Brasil.
Não tenho nenhum problema em dizer isso, e não se trata de arrogância intelectual, ou despeito político -- que os mesmos militantes de causas obscuras identificam a elitismo, ou defesa de causas conservadoras, o que é totalmente equivocado -- mas se trata, basicamente, de minha vocação professoral, digamos assim, profundamente devotada ao esclarecimento dos mais jovens, com base em uma rica experiência de vida, imensas leituras, comparações internacionais (o que me foi permitido pela vivência em diversos países) e um constante e consciente esforço de reflexão.
Pois bem, existem poucas coisas que me deixam ressabiado, pois de natural sou tolerante com opiniões políticas e econômicas contrárias às minhas: já alertei, mais de uma vez, que venho do marxismo e do socialismo, com a vantagem de jamais ter sido "religioso" -- ou seja, crente na verdade da palavra revelada do profeta Marx, ou Lênin -- e de ter visitado, conhecido por dentro, e por fora, todos os socialismos possíveis, e daí ter retirado conclusões quase definitivas sobre certos desastres sociais.
Uma das coisas que me deixam extremamente ressabiado é o racismo, de todos os tipos e de todas as cores.
Percebo no Brasil uma tendência ao racismo ao contrário, o dos militantes negros que, imitando mal os EUA, tentam criar uma cultura separada do chamado mainstream brasileiro, uma que seria afrodescendente, ou negra, uma verdadeira mistificação da história brasileira, que pode ter consequências desastrosas para nossa sociedade, certamente desigual, mas não racista como a dos EUA. Existem indivíduos e atitudes perfeitamente racistas no Brasil, mas nunca existiu o tipo de segregacionismo racial que existiu nos EUA, como agora querem implantar no Brasil, por iniciativa dos negros, não dos brancos.
Tudo isso acima para postar um comentário recebido no meu post sobre a decisão dos juízes do Supremo (melhor dizer supremo, supreminho, coitado), que interpreto, antecipadamente (e talvez erradamente) como sendo favorável às cotas. Desculpo-me, desde já, se errar, mas pelo que tenho visto desses juízes medíocres do supremo, o resultado que se pode esperar dessa corte medíocre é o pior possível.
Em todo caso, um leitor desse post, identificado como André, colocou o argumento que vai agora transcrito, e que comento em seguida: 


Acho que a grande virtude de ler esta opinião é constatar que vivemos em um regime de pluralidade. Não posso, porém, deixar de comentar: curiosamente nunca vi nenhum dos signatários sentir-se incomodado com a reserva de vagas que existia antes para os alunos egressos de escolas particulares. Ou, dito de outra maneira, com o fato de que as universidades não representavam a pluralidade racial (ou, para tomar emprestada a crença que o senhor endossa, não representavam a ausência de racismo no Brasil). Em tempo: sou branco, de olhos azuis, com conquistas por mérito, e apesar disso nunca fechei os olhos para a exclusão racial e/ou econômica que existe no Brasil. Lamento que utilize-se argumentos de negação deste fato para eliminar um debate sério sobre o racismo, problema que existe não por causa de cotas mas por fatos históricos de nosso país. em Ministros decidem pelo Apartheid e pela desigualdade racial


Comento (PRA):
Jamais ocorreu, no Brasil, por vias legais ou por expedientes informais, qualquer reserva de vagas para alunos egressos de escolas particulares. JAMAIS. Isso precisa ficar bem claro, e ser evidenciado repetidamente.
Não pelo meu caso, mas eu sou típico de certa geração, a dos alunos vindos de meios modestos -- no meu caso muuuiiito modestos -- que estudaram a vida inteira em escolas públicas, que se aperfeiçoou em bibliotecas públicas -- sem jamais ter livros em casa, um lar de pais que jamais terminaram o curso primário -- e que ingressou na mais prestigiosa universidade pública de São Paulo. Sou um entre milhares, apenas.
Evidentemente, desde esse tempo -- estou me referindo aos anos 1960 -- a escola pública caminhou rapidamente para a deterioração e a mediocridade, mas isso não implica em qualquer complô de uma classe ou de uma categoria de cidadãos contra outros, apenas o resultado infeliz da ineficiência dos poderes públicos de enfrentarem satisfatoriamente as pressões advindas da urbanização acelerada, da incorporação de estratos cada vez mais amplos de cidadãos aos sistemas de ensino, e o descuido geral demonstrado pelas autoridades em relação aos dois primeiros níveis de ensino, em benefício do terceiro ciclo e da pós-graduação.
Eu não endosso NENHUMA CRENÇA de pluralidade racial, em universidades ou em qualquer outro meio público, que devem ser absolutamente neutros em relação a cor, religião, gênero, ou qualquer outro traço. Existem desigualdades no Brasil, advindas de sua formação social, suas deficiências educacionais, profissionais, de oportunidades, mas isso não quer dizer que instituições públicas devam corrigir essas desigualdades SOCIAIS, com base em critérios RACIAIS, pois isso representaria, justamente, introduzir no Brasil uma separação racial que jamais existiu no plano das políticas públicas. 
Não existe no Brasil exclusão racial ou econômica, existe uma seleção por mérito, e infelizmente o mérito premia aqueles provenientes de meios favorecidos, o que simplesmente significa que o Estado, ou a sociedade, não se empenhou em criar oportunidades iguais para seres desiguais
Eu, sendo extremamente desfavorecido em relação a meus colegas ricos (do primário, do ginásio, do colegial e da faculdade), consegui ter acesso ao mesmo ensino que eles, exclusivamente por mérito, e pelo fato de que as escolas públicas, do meu tempo, eram muito melhores do que escolas privadas, então desprezadas pela classe média, pois escola privada era para os incapazes que não conseguiam acompanhar os estudos da escola pública (e considerada, portanto, um remédio para os preguiçosos e incapazes). Confessar que tinha feito o primário em escola privada (salvo algumas, tradicionais, ou católicas, evidentemente) era um sinal muito depreciativo para o aluno dos anos 1950 ou início dos anos 1960.
Hoje, dizer que é egresso de escola pública é quase sinônimo de medíocre, embora as diferenças não sejam tão grandes (por incrível que pareça). 
O racismo não está sendo introduzido por causa das desigualdades históricas, estruturais, existentes há séculos no Brasil, e que estava sendo gradualmente eliminado pela escola pública de qualidade. Como isso se inverteu, infelizmente, no último meio século, cresceu a demanda por soluções rápidas, não ao final do racismo, mas ao acesso a universidades que permanecem restritas a poucos, por insuficiência de vagas.
O Estado criou duas soluções erradas, absurdas, para um problema real: cotas racistas -- o que evidentemente cria racismo -- e subsídio a "indústrias" particulares de ensino para abrigar egressos de meios desfavorecidos, o que atinge também os afrodescendentes desfavorecidos.
O que os militantes da causa negra estão criando é o racismo oficial, institucionalizado, o Apartheid legal, ao diferenciar entre "raças", o que nunca existiu antes no Brasil.
Considero o comentário do André, se me permite a expressão, totalmente equivocado e singularmente ingênuo quanto aos resultados das políticas racistas que estão implantando agora.
Lamento, sinceramente, que o Brasil, certamente caracterizado por graus extremos de desigualdades sociais, esteja agora abrindo a porta para o racismo oficial.
Paulo Roberto de Almeida 
(Maastricht, 25 de abril de 2012)



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