A marcha do Apartheid no Brasil: o estado do debate
Diplomacia e Relações Internacionais

A marcha do Apartheid no Brasil: o estado do debate



Cotas e a cisão racial no Brasil
Yvonne Maggie
Blog Contra a Racialização do Brasil, sex, 02/12/2011

O Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) promoveu neste mês de novembro um seminário para discutir a política de cotas raciais. A ministra, Luiza Barrios, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), foi convidada a fazer uma palestra de 30 minutos, seguida de debate com os demais membros da mesa: a procuradora do Distrito Federal e mestre em direito pela UnB, Roberta Fragoso; o antropólogo e pós-doutorando da Faperj no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, Fabiano Dias Monteiro, e o professor titular do departamento de sociologia da USP, Antônio Sérgio Alfredo Guimarães. O presidente Fernando Henrique abriu os trabalhos e fechou o seminário.  Infelizmente não estive presente, por motivos alheios à minha vontade.
A imprensa e diversos meios eletrônicos noticiaram o evento e meu relato se baseia nas notícias por eles veiculadas. O seminário se concentrou nos debates sobre as estratégias de enfrentamento do racismo e em como resolver a questão da “raça” como fator decisivo nas políticas públicas.
A ministra Luiza Barrios expressou a posição da Seppir sobre a importância das ações afirmativas com base na raça não só no ensino superior, mas também no mercado de trabalho.
A procuradora Roberta Fragoso fez um discurso emocionado contra as políticas com base na “raça” que dividirão a nação em brancos e negros alertando para o fato de o Estado não poder obrigar ninguém a se classificar por uma ou outra categoria,  por ser  uma questão de foro íntimo.
O sociólogo Antonio Sérgio Alfredo Guimarães reafirmou que apesar de a categoria “raça” não ter a menor validade científica, é frequentemente acionada em termos ideológicos e políticos, dando origem à discriminação e à desigualdade e, por isto, deve ser vista como categoria sociológica.
O antropólogo Fabiano Dias Monteiro afirmou que a política de cotas ainda está sendo testada e é cedo para dizer se produzirá ou não a cisão racial. Segundo Fabiano, sendo o objetivo destas políticas a produção da categoria jurídica do “negro”, uma das consequências já palpáveis é a diminuição da criminalização do racismo em nome do combate ao “racismo estrutural”. Muitos programas de combate ao racismo foram extintos, como o Disque Racismo do Rio de Janeiro. Este é o argumento central da sua tese de doutorado que em breve sairá em livro.
O presidente Fernando Henrique afirmou acreditar ser difícil aplicar tais políticas de cotas por sermos um país em que ninguém sabe direito de que cor ou raça é. Disse que acha inadmissível a existência de tribunais raciais.
Concordo com o presidente. Os tribunais raciais são inaceitáveis porque são constitutivos desta política e não de sua má aplicação. Embora, até hoje, na maioria das leis promulgadas,  a cor ou a “raça” sejam  definidas  por autoclassificação, em todas elas, o cidadão deve se autodeclarar “negro” ou “índio”, sob as penas da lei. Ou seja, o Estado pode julgar se houve má-fé, mentira,  e pode punir. O Estado é o detentor da verdade sobre a autodefinição de cor ou “raça”. Ao contrário dos levantamentos censitários em que o indivíduo, embora obrigado a se definir de acordo com os cinco quesitos de cor: branco, preto, pardo, amarelo e indígena (não existem as opções – não quis responder  ou não sabe), não está sujeito às penas da lei caso se declare preto sem o ser.
Isto não acontece no que se refere às leis de cotas raciais ou  àquelas emanadas do legislativo – no estatuto da igualdade racial, nos concursos públicos em alguns estados, e para o acesso ao ensino superior em outros – onde há reservas de vagas para negros e índios. Nestas, fica-se sujeito a um julgamento. Ao se classificar para um concurso, um indivíduo de pele clara, que tenha uma avó um bisavô negros, ao se declarar negro poderá ter sua “confissão”  posta em questão e ainda ser levado às barras do tribunal.
Os tribunais raciais, como a violência física contra as mulheres, não são um epifenômeno, são, de fato, intrínsecos às relações estruturais, às políticas com base na “raça” e às relações de poder entre homens e mulheres. Se o movimento feminista obteve enorme sucesso em convencer muita gente, inclusive legisladores, de que a violência contra a mulher é inadmissível, o mesmo parece não estar ocorrendo em relação aos tribunais raciais que se multiplicam.
Dizer-se contra os tribunais raciais é dizer-se contra as políticas baseadas na “raça”, pois um e outro são constitutivos do mesmo sistema, sistema que pressupõe que os cidadãos precisam ser divididos, legalmente,  em “raças” para fazer jus a direitos universais.



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