A desconcentracao do saber cientifico (contra certos "concentracionistas")
Diplomacia e Relações Internacionais

A desconcentracao do saber cientifico (contra certos "concentracionistas")


Poucos anos atrás, desconstrui a tese universitária de um acadêmico brasiliense, dizendo que todos os seus argumentos estavam fundamentalmente errados, o que significa desmantelar sua banca e desmentir todos os professores que dela fizeram parte também.
Simplesmente publiquei uma resenha de sua tese editada e... o mundo caiu abaixo: o acadêmico clamou contra a minha resenha, invocou os membros da banca e fez questão de publicar uma réplica de minha resenha (o que já é sumamente ridículo). Deixei passar, embora pudesse ter feito uma tréplica e ter desmantelado, mais uma vez, seus argumentos. Não vale a pena dialogar com mentes obtusas.
Vou postar, em seguida, minha resenha e outras informações sobre essa diatribe acadêmica.
Por enquanto faço questão apenas de transcrever matéria traduzida da Economist, que diz exatamente o que eu dizia alguns anos atrás: que em lugar da tremenda concentração e "monopólio do saber", como pretendia o cientista brasiliense em questão, existe de fato uma desconcentração e um crescimento da ciência e da inovação em países que ele chamava de "periféricos" (outra palavrinha a que tenho ojeriza).
Fiquem com o artigo agora.
Paulo Roberto de Almeida

O novo regime científico mundial

Relatório da Unesco revela que ‘aristocracia’ ocidental da ciência está perdendo espaço para nações em ascensão, como China, Índia e Brasil

The Economist, 14/11/2010
CHá vinte anos, a América do Norte, a Europa e o Japão produziam quase toda a ciência mundial. Eles eram os aristocratas do conhecimento técnico, liderando um regime de vários séculos. O que eles produziam era reinvestido em seus complexos industriais, militares e médicos para impulsionar a inovação, a produtividade, o poder, saúde e prosperidade.
Todas as coisas boas, contudo, chegam ao fim, e o reinado desses aristocratas científicos está começando a parecer frágil. Em 1990, eles eram responsáveis por mais de 95% do trabalho de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) mundial. Em 2007, esse número já havia caído para 76% – segundo o relatório da Unesco de 2010. O quadro que este estudo sobre a ciência mundial revela é a de um Ocidente em declínio e Oriente e Sul em ascensão, espelhando as mudanças econômicas ocorrendo mundo afora. Os sans culottes da ciência estão em marcha.
GERD é bom
Comparações entre a competência científica de países geralmente começam com os gastos. Uma medida disso é o GERD (Gross Domestic Expenditure on R&D), que mede os gastos em Pesquisa e Desenvolvimento baseados no PIB. Mundialmente, o GERD somou $1,15 trilhões em 2007 (ultimo ano que o relatório da Unesco mediu). Isto significa um aumento de 45% comparado a 2002. Em adição a isso, nestes cinco anos, o total da Ásia subiu de 27% para 32%. O gráfico abaixo apresenta os índices do GERD em sete diferentes países e na União Europeia:

A parcela de riqueza nacional gasta em Pesquisa e Desenvolvimento também é útil para comparar economias de tamanhos diferentes – particularmente na medida em que a excelência científica tende a se concentrar em áreas pequenas do mundo, permitindo que pesquisadores de países pequenos como Singapura desafiem aqueles de nações maiores, como os Estados Unidos. Em 2007, o Japão gastou 3,4% de seu PIB em P&D; os Estados Unidos, 2,7%; a União Europeia, coletivamente, gastou 1,8%, e a China, por sua vez, gastou 1,4%. Muitos países, visando à melhora de sua posição científica no mundo, querem aumentar estes números. A China planeja chegar a 2,5%, e Barack Obama gostaria de levar os Estados Unidos para os 3%.
O número de pesquisadores também cresceu em todo lugar. A China está prestes a superar os Estados Unidos e a União Europeia na quantidade de cientistas. Cada um teve aproximadamente 1,5 milhões de pesquisadores, considerando um total global de 7,2 milhões em 2007. Ainda assim, o número de cientistas por cada milhão de pessoas permanece relativamente baixo na China. E a Índia, que perde apenas da China em tamanho populacional, tem apenas um décimo dos pesquisadores. Isso é uma anomalia surpreendente para um país que se tornou o maior exportador de serviços de tecnologia de informação e é o terceiro maior produtor de farmacêuticos – atrás apenas de Estados Unidos e Japão. Confira abaixo os índices de publicações científicas em diferentes países e na União Europeia:

Ter uma grande quantidade de cientistas, contudo, não importa se eles não forem produtivos. Um indicativo de proeminência científica é o quanto os pesquisadores de um país produzem. Individualmente, os Estados Unidos ainda lideram com alguma folga. Porém, a quantidade de publicações mundiais norte-americanas, que englobava 28% em 2007, está caindo. Em 2002, era de 31%. A parcela coletiva da União Europeia também caiu de 40% para 37%, enquanto a da China mais que dobrou para 10% e a do Brasil cresceu 60%, de 1,7% da produção mundial para 2,7%.
O tamanho da população da Ásia leva a Unesco a concluir que o continente se tornará “o continente cientificamente dominante nos próximos anos”. Mas a citação de artigos em língua inglesa de veículos chineses em outras publicações permanece baixa. Isso pode ser tanto porque a ciência chinesa é pobre quanto porque pesquisadores nos Estados Unidos, Europa e Japão têm um preconceito histórico quanto a citar uns aos outros. Um trabalho norte-americano tipicamente foi citado 14,3 vezes entre 1998 e 2008, enquanto os chineses foram citados apenas 4,6 vezes – mais ou menos o mesmo que os trabalhos publicados na Índia e menos que os publicados na Coreia do Sul.
Para os aristocratas da ciência, muito disso sugere que as guilhotinas estão próximas. Mas a história não termina aí. O que também conta é o nível do sucesso dos países em utilizar o conhecimento que geram. Um jeito de analisar isso é contar quantas patentes um país produz. Isso pode ser traiçoeiro. Um relatório recente da Thomson Reuters, uma firma de informação que também serve de fonte para muitos dados da Unesco sobre publicações científicas, sugere que as patentes chinesas cresceram 26% entre 2003 e 2009 – muito mais rápido que em qualquer outro lugar. Por esta medida, a China irá se tornar a maior registradora de patentes em 2011. Há um obstáculo, contudo. Burocratas em escritórios de patente chineses pagam mais por artigos que “aprovam”. Como resultado, há uma montanha de patentes chinesas de qualidade dúbia.
A última tentativa da Unesco de observar patentes se focou nos escritórios nos Estados Unidos, Europa e Japão, uma vez que são considerados de “alta qualidade”. Nesses escritórios de patentes, os Estados Unidos dominaram, com 41,8% das patentes mundiais em 2006, uma parcela que só caiu levemente em relação aos quatro anos anteriores. O Japão teve 27,9%, a União Europeia 26,4%, a Coreia do Sul teve 2,2% e a China 0,5%.
As perspectivas para o investimento em P&D pelas empresas parecem promissoras na maioria das nações emergentes, contudo. Entre 2002 e 2007, o investimento em negócios como parte do GDP cresceu rapidamente na China, na Índia, em Singapura e Coreia do Sul (ainda que o aumento na Índia seja em relação a uma base baixa). Mas ao menos um aristocrata está contra-atacando, uma vez que o investimento cresceu rapidamente no Japão.
Embora muito disto pareça motivo de preocupação para o velho regime, há um outro padrão que merece ser observado: o da crescente colaboração internacional. Graças às viagens baratas e a ascensão da internet, cientistas estão achando mais fácil que nunca trabalhar juntos. De acordo com Sir Chris Llewellyn-Smith, presidente do grupo responsável por outro relatório sobre a ciência mundial (a ser publicado no início do ano que vem pela Royal Society, a mais antiga instituição científica), mais de 35% dos artigos em publicações de liderança são produtos de colaboração internacional, em relação aos 25% de 15 anos atrás – algo que tanto o antigo quanto o novo regime podem celebrar.



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